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segunda-feira, 24 de abril de 2017

O Pau-Brasil - Gustavo Barroso

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   O Pau-Brasil
   Sabe-se de fonte limpa que as propriedades tintórias do pau-brasil, o utile lignum de José Rodrigues de Melo,e também o nome de uma terra em lugar incerto, como se verá, eram perfeitamente conhecidos muitos séculos antes do descobrimento efetuado por Pedro Alvares Cabral.
   Na Espanha, desde recuados tempos, chamava-se brasil. ao carmim com que as damas se pintavam. O nome estendia-se também ao kermes e à cochonilha. Talvez até à garance. O kermes (Quercus coccifera) era o mesmo escaravelho produtor de tinta rubra como o cinábrio de que já falava Ctesias, tido outrora pelo mais mentiroso dos viajantes.
   O ouraboutan a que alude singelamente Thevet nas Singularitez de la France Antarctique era idêntico ao sapang que os levantinos vendiam aos venezianos como proveniente das ilhas Malaias: Java Maior e Java Menor. O pau-roxo de Sumatra, já referidonos itinerários dos árabes Abu-Zeir e El-Hácem, no século IX de nossa era. Kazwini declara-o procedente de Serendib ou Ceilão e Ibn Batuta a ele abundantemente se refere.

   A História da Segunda Dinastia Song, que reinou na China de 960 a 1279 da era cristã, compilada no século XV, segundo Gabriel Ferrand, enumera desta sorte a produção do país de Cho-pô, a ilha de Java: "ouro, prata, unicórnio, marfim, aloés, sândalo, anis, pimenta, areca, enxofre e Sappan". Sappan ou Sapang era o nome malaio por que se conhecia em quase todo o Oriente o pau-brasil.
   Antes de o acharem os portugueses em nossa terra, os castelhanos o tinham encontrado em suas conquistas. Referindo-se à segunda viagem de Cristovam Colombo, em 1495, Pedro Mártir d'Anghiera ou d'Angleria fala de bosques de Brasil ou Verzino na ilha Hispaniola, o Haiti. Esse brasil se tornou afamado por sua ótima qualidade e o porto por onde se fazia seu tráfico naquela ilha, Yaquimo dos indígenas e espanhóis, Jacquemel dos franceses, ficou se chamando Porto Brasil, conforme relata o próprio Fernando Colombo, filho do almirante.
   Desde o século XV, conheciam os portugueses o pau-de-tinta com o nome de brasil, o que consta da relação de drogas da Carta Régia de D. Afonso V, datada de 1470 e que faz parte de seu famigerado Livro Vermelho: "guatos d'algallea, malagueta, alicornes,alácar e brasil". Isto é: gatos de algalía, o almíscar; malagueta, a pimenta; alicorne, o unicórnio; alácar, o nácar, a madrepérola; brasil, o pau-de-tinta.

   Nas suas Décadas, João de Barros reporta-se ao conhecimento, anterior ao descobrimento, dessa madeira e atribui com toda a seriedade as sugestões do demônio a mudança do nome de Santa Cruz para o dela: "per o qual nome Santa Cruz foi aquela terra nomeada os primeiros anos e a Cruz arvorada alguns durou naquele lugar. Porém como ao demonio fez o sinal da Cruz perder o dominio que tinha sobre nós, mediante a paixão de Christo Jesus consummada nella, tanto que daquella terra começou de vir o pau vermelho chamado Brasil, trabalhou que este nome ficasse na bôca do povo, e que se perdesse o de Santa Cruz, como que importava mais o nome de um pau que tinge panos que daquele pau que deu tintura a todos os Sacramentos per que somos salvos, por o sangue de Christo Jesus que nelle foi derramado: e pois em outra cousa nesta parte me não posso vingar do demonio amoesto da parte da Cruz de Cristo Jesus a todos los que este lugar lerem, que dêem a esta terra o nome que com tanta solemnidade lhe foi posto, sob pena de, a mesma, que nos ha de ser mostrada no dia final, os acusar de mais devotos do páu-brasil, que della: e por honra de tão grande terra chamemos-lhe Provincia, e digamos a Provincia de Santa Cruz, que sôa melhor entre prudentes, que Brasil posto per vulgo, sem consideração, e não habilitado para dar nome às propriedades da Real Corôa".

   Do que diz o autor das Décadas se infere que já se chamava Brasil à madeira quando se descobriu o país em que ela também abundava e que ao vulgo se deve ter pegado esse nome de preferência ao de Santa Cruz.
   Idêntico protesto cristão brota da pena de Pero de Magalhães Gandavo: "Por onde não parece razão o que lhe neguemos este nome (Terra de Santa Cruz) nem que nos esqueçamos delle tão indevidamente por outro, que lhe deu o vulgo mal considerado, depois que o páu brasil começou a vir destes reynos".
   Também Castanheda achou, com o mesmo espírito cristão, que "o nome de Santa Cruz se perdeu e ficou o de Brasil por amor ao páu-brasil ...”
   De tais protestos se fez eco, mais tarde, frei Vicente do Salvador. Nada adiantaram. O nome Brasil, comercial e simples, acabou prevalecendo pelo apoio do vulgo, depois de algum tempo em que viveu confundido no todo continental americano e não somente limitado à região verdadeiramente brasileira, à América Portuguesa, o que é por demais curioso. Nas cartas da edição de Ptolomeu de 1508, feita em Roma, a designação Santa Cruz é dada à toda a América: Terra Sanctae Crucis Sive Mundus Novus; em Thevet e Léry se lê: Terre du Brésil Autrement Dicte de l'Amérique.

   Os nomes de Vera Cruz e Santa Cruz eram comumente dados às novas terras descobertas, quer se inspirassem os descobridores na própria fé cristã, quer na visão das cruzes sanguíneas que avermelhavam o velame das naus aventureiras, quer ainda nas mesmas cruzes de madeira que, segundo o costume da época, se chantavam nas praias ignotas como padrões que assinalavam a posse dos soberanos católicos da Península, denominada por Estrabo com a maior propriedade a "Espectadora dos Oceanos".
   Cristovam Colombo, por exemplo, batizou com o nome de Santa Cruz a ilha de Hyay, no arquipélago Caraíba. Santa Cruz é uma ilha que se apresenta a sudeste da Terra Nova, perto da costa americana, no Atlas Português da Biblioteca Ricardiana de Florença. O grande Afonso de Albuquerque chamou Vera Cruz a uma ilhota à entrada do Bab-el-Mandeb, quando andou assegurando para El Rei de Portugal o caminho da navegação e comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia. No Canadá, Jacques Cartier, chegando ao rio de São Carlos no dia da Santa Cruz, deu-lhe este nome. Vera Cruz continua a viver numa cidade do México; Santa Cruz, em inúmeros lugares pela América cristã afora.
   Além de outras vantagens para o vulgo sem consideração, como diria João de Barros, o nome Brasil tinha de sair duma craveira comum.ra um nome que vinha de muito longe fazendo seu caminho pelo mundo.

   Marco Polo que viajou as partes do Oriente sob o reinado de Kubilai Kan, no século XIII, portanto uns dois séculos antes da viagem de Pedro Alvares Cabral, fala constantemente no pau-brasil. A obra de Marco Polo era das mais lidas e comentadas pelo cosmógrafos, cartógrafos e pilotos da época dos descobrimentos.
   A primeira referência vem no capítulo VI do livro III, quando descreve a ilha de Sóndur ou Cóndur, a atual Pulo-Cóndor ou Pulaw-Kóndor. Ali crescia abundantemente o brasil. Anotando com sabedoria e proficiência a obra do aventureiro veneziano, na sua magnífica edição inglesa, Yule e Henri Cordier dizem, de acordo com o livro de G. Philips sobre a China, que essa madeira já constava em grande quantidade das listas de presentes trocados entre as cortes da China e do Sião.
   A segunda referência de Marco Polo está no capítulo IX do mesmo livro. Ele aponta grandes quantidades de brasil nos reinos de Lémbri e Fansur, hoje admitidos como sendo regiões da ilha de Sumatra. É o célebre pau-brasil de Ámeri, de que tanto se falava na Idade Média e a que se reporta Pegolotti, não passando Ameri de corruptela de Lámbri.
   A terceira acha-se no início do capítulo XII: a existência do brasil na ilha de Necuveran, arquipélago das Nicobar.A quarta, finalmente, no capítulo XXII, tratando do brasil-coilumin, produzido pelo reino de Cóilum, o Káulam de agora, que os mapas ingleses acabaram transformando em Colombo, capital de Ceilão.

   A primeira edição das Viagens de Marco Polo, o Livro das Maravilhas, foi, como se sabe, publicada em francês. Nela a redação que sempre se encontra para designar o pau-brasil é Berzi.
   O pau-brasil de Coilum ou Káulam aparece em Pegolotti nas imediações de 1340, com o título de Verzino Colombino. Um século depois, Giovanni d'Uzzano repetia a mesma designação. O comércio italiano medieval distinguia três espécies dessa madeira tintória: Verzino SalvaticoVerzino Dimestico e Verzino Colombino, o selvagem, o doméstico e o de Coilum. Também as denominava doutra sorte: Verzino ColommniVerzino Ámeri e Verzino Seni, conforme sua procedência de Káulam, de Lambri e do Sião através da China. Parece que este último ia para o Sião da costa do Coromandel e era uma variedade especial, segundo o padre Loureiro na sua Flora Cochinchinensis.
   A História Natural também classifica três espécies de pau-brasil: Caesalpina Echinata, Caesalpina Brasileto e Caesalpina Sappan. O nome científico Caesalpina é uma homenagem prestada ao célebre naturalista do século XVI, Cesalpino, de Florença, médico de Sua Santidade o Papa Clemente VIII.Pode-se dizer com toda a segurança que, desde o século XI se comerciava com o pau-brasil do Oriente na Europa ocidental. Há quem afirme que desde o século IX. O pau vinha em toros. A matéria corante jazia no miolo vermelho. Os molinheiros reduziam os toros, convenientemente descascados e raspados, a lascas e hastilhas, as quais, bem moídas, davam a pasta de que se tirava a linda tinta rubra para os panos e as miniaturas sobre pergaminho.

   No famoso edifício conhecido pelo nome de Hotel du Brésil, na cidade de Ruão, outrora entreposto do comércio da madeira tintória, existem vários baixos relevos mostrando todas as fases da indústria extrativa, do comércio e da aplicação industrial do pau-brasil, desde o momento em que era arrancado da mata nativa e embarcado nos veleiros até o em que a tinturaria o empregava nos panos e o iluminista nos missais e códices.
   Em geral, as pautas aduaneiras estabeleciam o preço de entrada do pau em toros por carga muar, como a lenha, segundo se lê em inúmeros documentos. Vê-se que a quantidade, sempre transportada por terra em lombo de burro, não podia ser muito grande. Daí a raridade e careza da droga. Depois de desenvolvido o tráfico com a exploração do brasil americano pelo consórcio judaico de Lisboa, a avaliação passou a ser feita por quintais. Numerosas são as pautas alfandegárias em que essa substância vem referida com o direito de entrada que devia pagar. A mais antiga que se conhece é a da alfândega de Saint-Omer, em França, com a data de 1085: "Kerka Bersil", textualmente.

   Essa cidade bretã possuía famosas manufatura de panos que exportava para toda a Europa. Fabricava uma fazenda vermelha, colorida de brasil, que os vetustos forais e documentos portugueses denominam: Santaome ou Sanctomeri, conforme se vê em Viterbo.
   Um documento de 1198 denomina a cor vermelha Braxiliis. É uma das formas mais velhas que se conhecem da palavra Brasil. Fica bem longe de Verzino. A forma Bersil da pauta de Saint-Omer é das mais antigas. Os traficantes judeus do tempo empregavam-na também. O Sépher Scorasaim grafa Berzil. Mas, entre eles, os judeus chamavam ao pau-de-tinta que os enriquecia Lagam.
   A propósito da forma Verzino, que se encontra mesmo em antigos manuscritos de Marco Polo, Cordier escreve: "Supõe-se geralmente que o pau-brasil de comércio tomou o nome do grande país que assim se chama; porém o Verzino dos antigos escritores italianos é simplesmente uma forma do mesmo vocábulo, e Brasil é, de fato, a palavra usada por Polo. Do mesmo modo, Chaucer:"Him nedeth not his colour for to dien

   With Brazyl, ne with grain of Portingale".
   O poeta Chaucer, que publicou estes versos nos Canterbury Tales, em 1390, fora inspetor da alfândega de Londres. Devia, portanto, como alto funcionário aduaneiro, conhecer bem a droga em questão. Eis como Joaquim Caetano verte seus versos para o nosso idioma:
   "Não havia mister botar-lhes tinta
   Com Brazyl nem com grã de Portugal".
   Com efeito, a palavra Brasil, nas suas variadíssimas formas, é encontrada muito tempo antes da palavra Verzino, quer referindo-se à madeira tintória oriental, quer à sua cor vermelha.
   No tomo II das Antiquités Italiennes, diz Muratori que, desde o século XII, se tingiam tecidos na Itália com a madeira BressilBrasillyBresilsi ou Braxilis. Refere-se até a mercadorias a grana de brazile, como Chaucer à grã de Portugal, num documento de 1128 e no tratado entre Bolonha e Ferrara, de 1194.
   O documento de Saint Omer de 1085, já citado, recua de muito a data do emprego do pau-brasil nas fábricas de tecidos da Europa ocidental. Depois dele, cronologicamente, vem a tarifa de Genova, de 1151: In Brazilem. Digamos de passagem que haviasomente 12 anos que se fundara o reino de Portugal! Em 1163, o nome aparece num documento flamengo: a tarifa de Niewport.


   Nas notas à edição de 1881 da obra de Thevet, Paulo Gaffarel afirma que o Brasil foi introduzido na Espanha de 1221 a 1243, e em França é mencionado nas tarifas alfandegárias a partir do último quartel do século XIII.
   Quanto à Espanha, Capmany cita tarifas de Barcelona de 1221 e 1252 com a rubrica textual: Cárrega muar de Brasill..."
   Quanto à França, já era mencionado no século XI, como se vê do documento de Saint-Omer e se lê no famoso Romence de Perceval le Gallois, de Chrestien de Troyes: "meias tintas de Bresil". Outros remontam as menções relativas à França ao século IX, ao tempo das relações diplomáticas e comerciais do Império Carlovingio com os Impérios árabe e Bizantino.
   Nas pautas aduaneiras de Ferrara, em 1193, e de Módena, em 1316, se leem as variantes: BrezilBrasillyBrecillisBrazillis e BraziliBrisolium, isto é, Brisolio, é como diz uma Carta Régia de Carlos IV, Rei de França, em 1321. Brisiaci, isto é, Brisiaco, é como diz um Aresto de Paris em 1368.
   Foram os venezianos, sem a menor dúvida, que trouxeram o Brasil do Levante e o fizeram conhecido no Ocidente. Trouxeram-no para tinturaria e também para obras de marcenaria e carpintaria. Em 1111, após o pavoroso incêndio que destruiu mais de sua metade, Veneza foi reedificada sobre estacaria de pau-brasil oriental.

   Todavia, sempre se preferiu o brasil para a fabricação da tinta vermelha. A cor foi em todos os tempos muito apreciada. Ainda hoje se fala da antiga púrpura, cujo segredo dizem que se perdeu. Essa cor encarnada que se destinava aos reis e se tirava dum molusco, o múrice, era mercadejada pelos fenícios. Quem sabe já não vinha da madeira e a outra origem não passava duma invenção para encobrir o segredo comercial do produto, coisa comum na antiguidade?
   Para chegar aos venezianos, as madeiras de tinturaria do Oriente, sobretudo as que davam a púrpura, eram trazidas a Bássora ou Alexandria pelos árabes. A Bássora sobretudo, que foi o grande Empório do Império dos Califas.
   Entre o Ocidente cristão e os povos que, como diz André Demaison, foram donos das florestas e das pedrarias, entre esse Ocidente e as riquezas orientais — xarões, sedas e louças da China, ouro de Sumatra especiarias das Molucas, gemas e marfins da Índia, tapetes de Bokara e da Pérsia, açúcar do Zingi, perfumes de Serendib —, se estendia a cortina resplandecente de alfanjes desembainhados do mundo muçulmano. Cortina intransponível aos infiéis, cujas pontas mal tinham sido levantadas por viajantes mouros como Ibn Fozslan, judeus como Benjamin de Tudela ou religiosos como João de Plano Carpino. Eram, pois, os árabes levantinos que recebiam em Ormuz, Bássora, Aden aqueles produtos, levando-os por terra aos portos mediterrâneos, Alexandria ou Gaza, onde os iam buscar, primeiro os bizantinos, depois os venezianos e genoveses, por fim os pisanos e amalfitanos.

   Daí a extrema necessidade em que se viram os povos mais ocidentais, aonde essa produção chegava muito encarecida, de se lançarem ao mar nas jornadas das Índias ou das Molucas, buscando contornar a imensa barreira do Islam e libertar-se do monopólio de Veneza e das outras emporocracias italianas, que a todos asfixiavam: passagem para leste, pelo sul, com Diogo Cão, Bartolomeu Dias, Vasco da Gama e mesmo os que se foram à procura da Terra Australis, como Mascarenhas, Mendanha e Queiroz; passagem para leste, diretamente, rumando ao oeste, com Colombo, Hojeda, Ponce de Leon e Nunez Balbôa; passagem para leste, pelo sudoeste, com Cabral, Pinzon, Diaz de Solis e Fernão de Magalhães; passagem para leste, pelo noroeste, com Caboto, Côrte Real, Verrazano, Cartier, Frobisher, Davis, Baffin e Hudson; passagem para leste, pelo nordeste, com David Melgueiro, Barentz, Willoughby, Chancellor e Burrough. Todos esses esforços no mar sucediam às tentativas feitas para romper diretamente e por terra a cortina para leste com Benjamin de Tudela, Guilherme de Rubruquis, João de Plano Carpino, Marco Polo e seus tios, tendo como continuadores Pero da Covilhã e outros.

   As madeiras tintórias que os arabes assim transportavam eram de várias espécies. Entre elas, contava-se o Bakkan ou Bukkun (Pterocarpus Santalinus). Bakkan, segundo Joaquim Caetano, apoiado em Caussin de Perceval, é mera corruptela de Paggan. Daí alguns autores tomarem como brasil o bakkan dos árabes ou boquan, na lição dos tradutores franceses da geografia de Abulféda.
   Do nosso país se tiravam quatro qualidades de pau-brasil, mais uma do que do Oriente: o Japão, corruptela de Sappán (Caesalpina Sappan); o Pernambuco, do nome do lugar de sua procedência; o Lamon ou Baía, idem; e o Santa Maria. A confusão entre Sapán ou Sappán e a forma bem aportuguesada Sapão, que evoluiu até Japão, por influência do nome conhecidíssimo deste país, é comum nos viajantes, cronistas e cosmógrafos da época. Fernão Cardim diz, por exemplo, referindo-se às drogas da ilha de Hainão, o Hai-Nam de hoje: "Japão, que é o mesmo brasil".
   Vale a pena nos determos um instante na denominação Sapán ou Sappán, que o vulgo inconsiderado logo crismou em Japão. Na língua Tamul, que se fala na costa do Malabar, o pau-de-tinta é chamado Tsiam-pángam, de onde Siampángam, Sapángam, Sampang, Sapang, Sapán, para um lado; Pangam, Paggam, Bakkan, para outro. Yule registra a forma Sappangi.

   Os mercadores do Celeste Império achinesaram a designação de acordo com os sons de sua língua em Su-Fam-Mo ou somente Su-Fam e Su-Fang. Eles receberam o brasil em primeiro lugar dos cochinchineses, que o apelidavam Cay-yang, de Cay — árvore e Vang — vermelha. A tradução literal, segundo alguns entendidos na matéria, seria pau-brasa.
   As sílabas chinesas — Su-Fam-Mo, se correspondem só mais ou menos à prosódia da palavra de que foram tiradas, correspondem inteiramente ao seu significado: Su-Fang quer dizer — pau que pode tingir de vermelho.
   Sabendo-se da inexistência de certas letras e de certos sons nas línguas orientais e da maneira como outros os substituem, compreendem-se facilmente as metateses: yang — Fan — Pangam — Bakkam. Sente-se bem isso no idioma inglês, segundo Watt: Sappan — Bakam-wood — Sampfen-wood — Brazilian-wood.
   Em malaiala, o pau-de-tinta é Chappam, palavra que vem de Sappan. Monsenhor Delgado grafa — Chappamam, que singifica — pau-vermelho. Em vernáculo, Sapanga, do sânscrito — Patanga, vermelho. Não deixa de vir a pelo e ser curioso comparar o patanga sânscrito com o pitanga tupi, tendo ambas a mesma significação: vermelho. Será tão somente uma coincidência?

   Todas essas formas diferenciais como que brotam naturalmente duma raiz única. A mesma diferenciação se encontrará em relação ao nome tupi do pau-brasil: Mbira-piranga ou Mobira-pitanga, o pau-vermelho; Embira-piranga e Embira-pitanga; Ibira-piranga e Ibira-pitanga; Imyra-piranga e Imyra-pitanga; Bira-piranga e Bira-pitanga; Ouraboutan, isto é, Urabutan, em Thevet; afinal, até Arabutan. É longo o caminho de Mbira-pitanga a Arabutan, todavia como negar que não seja a mesma palavra? - Pág.92

Obra: O Brasil na lenda e na cartografia antiga (1941) 
Por: 
Gustavo Barroso    Pág.77 à Pág.92.



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