Fridtjof Nansen afirma que o mito
irlandês da ilha feliz — Hy Bresail, Bresail ou O'Brasile é, evidentemente, muito antigo. É
"absolutamente o mesmo das Ilhas Afortunadas". Na sua
opinião, foi esse mito que introduziu o nome Brasil nos mapas e portulanos
anteriores ao descobrimento de Pedro Alvares Cabral em que surge a Ilha Brasil de indeterminada posição. O próprio
rio ou canal que tão frequentemente se divisa cortando ao meio a referida ilha
pode ser identificado com aquele que São Brandão não conseguiu atravessar,
quando, conforme uma das versões de sua lenda, chegou à Ilha da Promissão. Provavelmente será o mesmo rio Hop a que se refere a Saga que descreve Vinlandia a Boa. Pág. 158
V - Etimologia da palavra Brasil
XI - A força das lendas Pág. 151
XII - O nome mais velho do que o país. Pág.157
XIII - Brasil — Terra Abençoada Pág. 163
XIV - Esquema da formação da palavra Brasil. Pág. 169
Fontes Bibliográficas. Pág. 171
Provada à sociedade a existência do conhecimento do pau-brasil, com este nome em suas variadíssimas formas, séculos antes do achado da terra brasileira, procuremos a razão de ser dessa palavra e, após, sua aplicação à cartografia, da qual passou para este lado do Atlântico, onde acabou definitivamente se fixando.
Já vimos que Henri Cordier, o erudito comentador de Marco Polo, chega a pensar que foi a terra que deu o nome ao pau. Inversão absoluta de papéis. Houve quem o precedesse de séculos nesse parecer. Era essa a opinião de Canepario, em 1619, o qual talvez já tivera predecessores: em 1610, na designação de uma Carta Régia portuguesa — "pau do Brasil", em lugar de pau-brasil; em 1520, com Jeronimo Pigafetta, companheiro de Vespuccio, quando usa da expressão — "Terra del Verzino.".
O que se dera, naturalmente, fora o seguinte: o nome do pau pegara na terra de tal jeito que já pareciaque a madeira é que o recebera dela. Isto, porém, em 1520, é, sem dúvida, de admirar e faz com que pensemos que outras razões mais fortes e profundas houve para que tão bem se adaptasse ao Brasil o nome do Brasil.
A etimologia da palavra Brasil preocupa os eruditos desde o século XVII até os dias que correm: Faria Souza, Carpentier, Capmany, Bossy, a Academia Espanhola, José Silvestre Rebelo, Joaquim Caetano, o visconde de Taunay, entre os mais notáveis. A questão de sua grafia com "S" ou com "Z" também tem preocupado a uma infinidade deles, desde Capistrano de Abreu a Assis Cintra.
Para Joaquim Caetano e os etimologistas de sua escola, que são, indubitavelmente, a grande maioria, Brasil vem de brasa, porque é vermelha dor de brasa a madeira de tinturaria e a esse característico deve o seu nome.
A explicação é simples, escorreita. Para prova desse ponto de vista, se alinham as similitudes em múltiplas línguas do tronco latino: castelhano, catalão, provençal, galego, piemontês, milanês, veneziano e baixo-latim. Vai-se também ao sânscrito, no fundo do Oriente, buscar o verbo Bhras, que significa luzir, e o adjetivo Bhradschita, que significa luzente, declarando-se que o nome veio da mesma proveniência geográfica da madeira tintória. Fazem-se outras suposições. As mais diversas e curiosas. Silvestre Rebelo chega a lembrar que pode vir do latim — Brachium. Outras apontam como sua origem o verbo francês — briser, quebrar, porque se quebrava o pau-brasil, reduzindo-o a hastilhas, a fim de poder moer o âmago encarnado. Isto é sugerido pelas formas da palavra em Bri, encontradas sobretudo nos documentos franceses.
Por causa das formas que aparecem em Ver e em Ber, discute-se se Brasil, através de Berzil e de outras transformações semelhantes, é simples corruptela de Verzino ou Berzino; ou ainda se Verzino ou Berzino resultam da corruptela de Berzil e Brasil.
Em matéria etimológica, tudo é possível supor e há facilidade de se provar quase tudo o que se supõe, dependendo da habilidade na hermenêutica e de certa coragem em afirmar.
Intervêm ainda na intrincada questão aqueles que vão buscar a origem da palavra no verbo brasiller, que figura na primeira edição da Enciclopédia Francesa, significando o brilhar das ardentias ou fosforescências sobre o mar, cantado pelo poeta do Navio Negreiro:
"Estamos em pleno mar. No firmamento,
Os astros pulam como espumas de ouro.
O mar, em troca, acende as ardentias,
Constelações do líquido tesouro". Encontra-se, afinal, em celta a radical Bra com o significado de Belo, de Esplêndido. Ela lembra o nome da Ilha Bemaventurada e Prometida dos ciclos de poemas e lendas irlandeses, galeses e bretões, ilha essa que trazia o apelido atraente de Ho Bra-sile ou Hy Bre-sail, conforme os dialetos locais.
Não será mais provável que uma tenha sido a origem do nome do pau, lá no fundo da velha Índia, e outra a do nome da ilha misteriosa nas terras do Ocidente?
Esses dois nomes, no entanto, estavam destinados a se confundirem no futuro, apontando ao mundo a nova terra encontrada pelas armadas dos portugueses.
Vinham, sem dúvida, confundidos já do remoto passado em que a língua dos hindus, na sua forma inicial, era decerto a mesma que falavam os celtas, quando a raiz Bra indicava a ideia abstrata de brilho, de esplendor, depois dividida nas ideias de esplendor puro e de esplendor do fogo material na chama e na brasa.
No estudo a que estamos procedendo, porém, a questão não se cifra à etimologia e muito menos ainda à ortografia. Não é a raiz etimológica ou a grafia com “S” ou “Z” o que principalmente nos preocupa. O que queremos, em verdade, saber é se, para o nosso país, o nome veio tão somente do pau cor de brasa, de modo simplista e natural, como deixam transparecer, ou se, para isso, concorreu o elemento ideológico, espiritual, condensado na designação de uma famosa ilha lendária Brasil, a qual, segundo temos visto e ainda veremos, coroava a longa série das ilhas misteriosas semeadas pela imaginação dos antigos à face do vasto Oceano Tenebroso, desafiando a audácia dos aventureiros.
VI
A Ilha Brasil
Antonio Baião escreve: "O que pôde asseverar-se é que antes de designarem este continente por Terra do Brasil, isto é, terra onde crescia o pau brasil, já havia na nomenclatura geográfica a Ilha do Brasil e o Brasil".
Esclareçamos convenientemente este caso.
Com efeito, o nome Brasil surge na cartografia muito anteriormente ao descobrimento da grande região sul-americana banhada pelo Atlântico. No seu livro Etudes sur les rapports de l'Amérique et de l'Ancien Continent avant Christophe Colomb, Paulo Gaffarel declara que, nas cartas geográficas da Idade Média, aflora sempre no meio do oceano a ilha de Brazil, Berzil ou Brasil. Cita em apoio de sua asserção o portulano Medici, datado de 1351, e o Mapa de Picignano, Pizignano ou Pzigani, datado.de 1367, que consta da Biblioteca de Parma. I. Bracir é a lição deste.Fridtjof Nansen, grande explorador polar, geógrafo e historiador, reproduz nas páginas de sua magnífica obra In northern mists fac-símiles desses antigos portulanos. Harrisse faz o mesmo no seu documentadíssimo livro sobre o descobrimento da América do Norte. A propósito, é fácil consultar esses antigos documentos cartográficos em muitas obras eruditas sobre o assunto, notadamente as de Kretschmer e de Kunstmann.
O Atlas Medici, cuja data é 1351, traz a ilha em questão diante das costas da Península Ibérica, com o rótulo — Insula de Brazi. O Pizignano coloca-a na altura das Ilhas Britânicas e apelida-a, textualmente, segundo a leitura de Buache: Ysola de Mayotlas Seu de Bracir. Jomard propõe outra leitura para essa legenda confusa e semi-apagada pelo tempo: No cotus Sur de Bracir. Diante dos estragos do mapa, Kretschmer prudentemente declara o texto indistinto.
Que vem a ser Mayotlas?
Porventura, como quer alguém, um avatar da célebre Melcha, ilha que devia, segundo alguns geógrafos, anteceder a Índia, que os aventureiros e descobridores peninsulares procuraram pelo Atlântico afora, no rumo de oeste, e atrás da qual até Américo Vespúcio andou? Ou a Mikla, a Grande, dos irlandeses, da leitura errônea Melka? Parece que na Melcha, que antecedia a Índia, não se deve ver mais do que uma forma corrompida de Malaca, através das grafias que se encontram a cada passo: Malacha e Melacha. Daí possivelmente a Melcha, dada a maneira como se escrevia em péssimo latim, quase sempre, nos antigos planisférios, o salto é diminuto. Isto, porém, não passa duma hipótese entre as muitas que se podem, no caso, formular.
Todavia, o melhor é, de acordo com alguns autores, além do citado Kretschmer, considerar muito incerta, sujeita a todas as dúvidas, a leitura de Buache: mayotlas.
O Mapa Soleri, de 1385, conserva essa ilha com a mesma posição e o mesmo nome.
Em outros mapas, encontra-se a curiosíssima legenda: de Montonis Sieue deBracir. Alguns interpretadores, como vimos em capítulo anterior, querem ver em Montonis a latinização de Moutons, através da leitura Montonis, troca vulgar de "U" por "N" devido aos caracteres da diplomática e da cartografia da época, ou da leitura Moltonis, nome da Ilha dos Carneiros, que, de acordo com certas versões das lendas celto-cristãs, precedia a ilha de São Brandão. Temos aqui, pois, mais uma aproximação do nome do Brasil com a venturosa terra da Peregrinação do santo.
A ilha de Montonis é a mesma que surge um pouco mais tarde, em algumas cartas, como Montorio e se transforma, ipso facto, na ilha do Monte de Ouro, na ilha do Ouro. As más interpretações Mayotlas e No cotus possivelmente não passam de Montorio, Moltonis ou Montonis. Seu, como Sieue, não passa de Sive, a conjunção ou.
Há mais um famoso mapa-mundo catalão anônimo de meados do século XIV, na Biblioteca Nacional de Módena, no qual se vê, perto da Irlanda, a Ilha de Brezill. Pullé e Longhena minuciosamente o estudaram e lhe determinaram a data: 1350.
O geógrafo Andréa Bianco, que parece ter trabalhado como cartógrafo na Escola de Sagres, cuja carta, datada com segurança de 1436, está na Biblioteca de São Marcos, em Veneza, e vem fielmente reproduzida na monumental História da Colonização Portuguesa no Brasil, registou a Y. do Brazil, ao sul das Cabo Verde, o que é muito digno de nota. Fra Mauro também a cita.
O Mapa de Andréa Bianco torna-se sobretudo notável por vir nele assinalado o Mar da Baga ou Mar de Sargaços, o que demonstra a ida de navegantes até essa zona ocidental do Atlântico meio século e pico antes de Cristovam Colombo.
Insula de Brasil, é a lição do portulano cognominado de Mecia, na Biblioteca da Vila Destes, datado de 1413, anterior de quase um quarto de século ao de Andréa Bianco.
A Carta de Gracioso Benincasa, de Ancona, guardada na Biblioteca da Universidade de Bolonha, que data do ano de 1482, contém a Isola de Braçill.
Vários roteiros marítimos escritos no século XV confirmam os planisférios, mapas e portulanos, reportando-se a essa ilha de Bracir, Brazir ou Bracill, entre o cabo de São Vicente e a Irlanda.
Outro portulano célebre, o n.o 1710 da Coleção Italiana da Biblioteca Nacional de Paris, com data de 1480, traz oito ilhas dispostas em linha na altura do cabo de São Vicente: Ysola Corvi Marini, Ysola de Sanzorzi, Ysola de la Venture, Ysola de Colombi, Ysola Chapraié, Ysola Luevo e Ysola de Bacil(?) São as ilhas do Corvo Marinho, de São Jorge, da Ventura, dos Pombos, Cabreira, do Ovo e do Brasil que estudamos em capítulo especial. Põe mais, em frente da Bretanha, a Ysola delBrazil.
Desta vez, a confusão cartográfica, além da imprecisão das coordenadas em que situa as ilhas, arranja duas do Brasil, em lugar duma só, embora dando-lhes grafia diferente.
Veem-se também duas ilhas Brasil no Mapa de Bartolomeo Pareto: uma está visivelmente ao sul das Ilhas Britânicas; a outra fica em frente do estreito de Gibraltar.
No Mapa de Toscanelli, segundo a reconstituição de Peschel, a Ilha Brazil se acha ao largo da Irlanda, para o sul. No mesmo Mapa reconstituído por Uzielli, encontra-se na extremidade meridional da Grã-Bretanha.
Dalí emigra para o poente. Juan de la Cosa chama-lhe Ilha do Brasill e coloca-a na costa da América, em face de Cuba, mais ou menos na altura da Colombia.
No Portulano Pizignano, já citado e cuja data é 1367, maior ainda é a confusão, porque registra simplesmente três ilhas Brasil, sob a legenda: Insula Bracir (ou Brava): uma no nordeste dos Açores, outra a oeste e, finalmente, a terceira ao sudoeste da Irlanda.
Em um mapa catalão que consta da Biblioteca Nacional de Paris e está averiguado ser obra do cosmógrafo judeu Abraão Creçques, a ilha açoriana Terceira está claramente nomeada com todas as letras como Terra do Brasil. O mapa é anterior ao descobrimento de Pedro Alvares Cabral e representa o mundo inteiro com figuras curiosíssimas. Buchon e Tastu o estudaram a fundo e convieram em dar-lhe a data de 1375.
A Illa do Brazil figura ainda na Carta Catalã do século XV conservada na Biblioteca de Milão. Nordjenskiold publicou-a em 1892 e por essa reprodução se vê que a tal Ilha do Brasil tem um rio,
canal ou divisão ao meio, como era costume por na da Antilia. Em certos mapas, o rio ou canal chega a dividir a pretensa ilha em duas metades iguais ou quase iguais. É um ponto bastante interessante, não só por isso, como por aparecer Sempre em outros documentos cartográficos antigos um Rio de Brasil, o que já tivemos ocasião de assinalar.
Os mapas catalães antigos abundam nas bibliotecas da Europa. Na de Florença, se guarda outra Carta Catalã anônima, de 1375 também, reproduzida na obra de Björnbo, em que se vê a Illa de Brezill.
Do século XIII ao século XIV, os catalães quase dominaram o Mediterrâneo. D. Jaime o Conquistador, Rei do Aragão, tomara aos sarracenos a ilha de Majorca, os reinos de Murcia e de Valencia. Os soberanos do Aragão também o eram da Sicilia, de onde seus almogávares iam em expedições até o Império Bizantino, batalhando na Trácia e na Ásia Menor contra os turcos e contra os búlgaros, dominando a Acaia e a Moréa. O idioma valenciano, como se denominava então a língua catalã, era dos mais falados das margens do Tirrenio às do Arquipélago. Daí as mais estreitas ligações com nautas e sábios, comerciantes e aventureiros maometanos e judeus, gregos e alexandrinos, trazendo, com o gosto das aventuras, a preocupação dos conhecimentos geográficos. A abundância das Cartas Catalãs não tem outra explicação.
Na famosa Carta Geográfica de Módena, cuja data verificada cuidadosamente é 1351, essa mesma Illa de Brezill aparece perto da Irlanda, como em Toscanelli.
Hervas menciona um mapa da Biblioteca de São Marcos, em Veneza, de 1439, feitostambem por Andréa Bianco, no qual se indica, na extremidade oriental do Atlântico uma ilha com o nome de Ilha do Brazil, outra chamada Ilha da Antilia e uma terceira, na posição do cabo de Santo Agostinho, na Flórida atual, com a estranha cognominação de Isla de la Mano Satanaxio. O autor citado supõe que essa Ilha do Brazil é uma das Terceiras, como lhe apraz denominar os Açores. No Cosmos, Humboldt perfilha esta opinião.
Este Mapa de Andréa Bianco a que se refere Hervas é, sem dúvida, o mesmo a que se referem outros autores, pois não se conhecem dois mapas da autoria desse cartógrafo. A diferença está na data, que no consenso dos maiores eruditos sobre a questão é a de 1436 e não a de 1439, como diz Hervas.
Segundo Sophus Rege, a I. de Brasil ou Iª de Brasil ficava na posição dos Açores. Para Valentim Fernandes, o da Moravia, a Ilha do Brasil era a própria ilha Terceira. Da mesma opinião, o cartógrafo judeu Abraão Creçques. Explica-se, pois, acreditar Hervas que a Ilha do Brasil fosse uma das Terceiras. D. Cristobal Cladera, na sua resposta à memória de Otto sobre o descobrimento da América, descreve cinco velhos mapas desenhados por Juan Ortiz na cidade de Valença,argumentando que não podiam ter sido traçados antes de 1496, nem depois de 1509, pelos conhecimentos de certas terras neles demonstrados. Os catalães continuavam nessa época, como se vê, a fabricação de cartas geográficas que haviam começado mais dum século antes. A quarta dessas cartas valencianas contém as costas da Espanha, da França, da Holanda, da Grã-Bretanha e, no paralelo de 52° Norte, uma ilha, dividida por grande rio e chamada Brazil. Chamamos a atenção mais uma vez para a existência desse rio.
Disso infere D. Cristobal Cladera que o mapa foi feito depois de ter vindo Pedro Alvares Cabral a Porto Seguro, porém muito pouco tempo depois, senão não teria sido o nosso país tão erroneamente colocado. Entretanto, cabe aqui indagar se, sendo realmente o Brasil que o cartógrafo queria indicar, tê-lo-ia tão erradamente conseguido? E já em 1509, data limite que marca para as cartas, o Brasil se chamaria mesmo Brasil?
Essas dúvidas são de Roberto Southey, que comenta D. Cristobal Cladera e que resumimos.
A existência, hoje em dia cientificamente comprovada, dos portulanos Soleri, Pizignano e Medici, todos anteriores a 1400, bem como a das Cartas Catalãs do fim do século XIV, responde perfeitamente que não era a região que se indicava e sim a ilha fabulosa de idêntico nome.
Existem ainda documentos, tão autênticos quanto esses todos, e bastante mais antigos, nos quais surge a Ilha Brasil. O Portulano de Dulcert, de 1339. O Mapa Dalorto, de 1325, em que a Ilha Brasil está posta entre a Inglaterra e a Noruega.
Assim, não resta a menor dúvida de que o nome do Brasil se ostenta nos documentos geográficos e cartográficos desde 1325, 175 anos antes de Cabral aportar as nossas plagas, pouco importando a confusão no número de Ilhas Brasil e a imprecisão de sua posição no Mar Tenebroso.
Por isso, não é de admirar que Paulmier de Conneville denominasse, em 1503, o Brasil Conhecido. O que é de admirar é que sobre tão fraca base o patriotismo de Paulo Gaffarel tentasse fundamentar a tese da prioridade do conhecimento do Brasil pelos franceses...Pág.108
VII
O Globo de Behain
Aos documentos comprobatórios já por nós largamente citados, alguns acrescentam ainda o famoso Globo de Martin Behain ou Martin de Behahim, que os nossos clássicos aportuguesaram em Martim da Boemia.
Passava geralmente por ter nascido nesse país da Europa Central, mas antes parece ser originário de Nuremberg, onde construiu o seu Globo. Esteve em Lisboa e ali foi um dos construtores do astrolábio que tanta influência teve nas navegações dos pilotos peninsulares. Demorou nos Açores de 1486 a 1490. Acompanhou Diogo Cão na sua viagem aventurosa. Era dos que demasiadamente aproximavam o Extremo Oriente do Extremo Ocidente, sem nada de permeio na vastidão do mar, apenas ilhas fantasiosas, que ajudavam a travessia do pélago. Pôs o Cataio a cem graus somente dos Açores. A propósito do Globo de Behain opina Perez Verdia: "Quanto ao Globo de André Behain, que, segundo afirmam os inimigos de Colombo, lhe serviu de guia por já estarem ali marcadas as costas do Brasil e do estreito de Magalhães, basta refletir que o verdadeiro Globo de Behain foi feito em 1492, na Alemanha, quando já o descobridor da América sulcava as águas do oceano, não sendo certo que contenha as ilhas ou costas do Novo Mundo e notando-se que a primeira esfera em que elas se encontram é a de João Schöner, descoberta por Otto e construída no ano de 1520".
Não tem razão em tudo o que avança o historiador mexicano. Em primeiro lugar, troca o nome de Martin Behain por André Behain. O Globo de Behain data efetivamente de 1492; mas nele se vê a Ilha Brasil sob a legenda — Insula de Prazil — em face das costas irlandesas, bem como os litorais das terras árticas do continente americano percorridas, havia séculos já, pelos normandos. Basta, para verificar tudo isto, examinar a excelente reprodução do livro de Fridtjof Nansen ou a do livro de Ravinstein.
Na Esfera de Schoner ou Schöner, de 1520, vê-se a Terra do Brasil dividida em duas partes sob estas denominações: Brasilia Superior Sive Papagalli Terra e Brasilia Inferior, Brasil Superior ou Terra dos Papagaios e Brasil Inferior. A designação Brasil abrange toda a América do Sul. O nome abarca então mais território do que cobrirá no dia em que definitivamente se fixar.
No Globo denominado de Laon, que data do ano de 1493, um ano mais moço que o de Behain, não se encontra a menor referência ao Brasil, o que não deixa de ser bastante curioso.
A forma Prazil do Globo alemão de Behain a primeira que aparece no gênero: Brasil com "P". Todos sabem como os alemães trocam frequentemente o "B" pelo "P", ao falarem a nossa língua. Encontramos outra vez Brasil com "P", entre 1506 e 1540, na Newen Zeytung citada por Humboldt e hoje muito conhecida(1) Nota do Autor: Presillig Landt, a Terra do Presil. Pág.111
VIII
Conservação geográfica da palavra Brasil
Apesar de não haver grande importância no fato de figurar a Ilha Brasil nos mapas posteriores a 1500, quando foi descoberto o Brasil pelos portugueses, é digna de nota a conservação geográfica da palavra, já existente nas cartas e portulanos mais de século e meio anteriores, palavra essa que se não sabe bem em que data precisa começou a vigorar na nova Terra de Santa Cruz, por obra e graça do vulgo sem consideração, que o cronista julgava incapaz de dar nome as possessões da Real Coroa.
Sobre o assunto, Paulo Gaffarel escreve: "Século e meio após a colonização dos Açores por Portugal, continuava-se a pôr uma Ilha do Brasil ao oeste ou ao noroeste de Corvo. O Atlas de Ortelius e o de Mercator, em 1569, marcam ainda esse nome. Sua identidade com o de uma das mais vastas regiões do Novo Mundo indicaria porventura algum pressentimento
misterioso do descobrimento do século XVI? Dá-se com Brasil o que se deu com Antilia. Esses nomes aplicaram-se a terras ignotas antes de se fixarem definitivamente. Pelo mais curioso dos acasos, uma madeira vermelha, apropriada à tintura das lãs e algodões, começou por designar o país de onde a tiraram, — Malabar ou Sumatra, depois se aplicou a uma ilha recentemente descoberta, onde julgaram encontrá-la, Terceira, nos Açores, em seguida à ilha incógnita de que nos ocupamos e, afinal, à região americana que a conservou. A recordação dessa ilha errante prolongou-se até nossos dias no Brasil-Rock, indicado nas cartas inglesas e alemãs a alguns graus a oeste da extremidade mais austral da Irlanda".
Com efeito, Humboldt, examinando e criticando a geografia do Novo Continente, fere o mesmo ponto que Paulo Gaffarel. O Hand-Atlas de Stieler, na sua edição de 1867, dá o Brasil-Rock na carta nº 14. Os mapas ingleses de Purdy repetem a mesma cousa. Em outros mapas, a recordação da Ilha Brasil se resume à indicação dum simples Monte Brasil na ilha açoriana de Corvo.
Após o descobrimento e a crisma que indignou os cronistas, o nome da Ilha Brasil continuou a viver e, o que é curiosíssimo, às vezes até distinto do de nossa pátria.
Vêmo-lo num fragmento do Mapa de Juan de la Cosa, de Cádiz, em 1500, no qual se delineia o litoralVer carta no original]
Carta de Mestre João
Fac-simile (com redução) do original.brasílico do cabo de Santo Agostinho para o norte, como uma ilha na costa das Pérolas, na Colombia; no Mapa dito de Leonardo da Vinci, de 1514, conservado na Biblioteca do Castelo de Windsor, sob a forma Brazill; um ano depois, na Carta de João Schöner, de 1515, com uma bizarra configuração e o título pomposo — Brasilie Regio, antecipação de séculos ao Reino do Brasil; em 1528, no Fortulano de Pietro Coppo de Isola; em 1529, com um contorno mais ou menos aproximado da verdade, no Mapa da América do cosmógrafo português a serviço da Espanha, Diego Ribeiro: Tierra del Brasil; ainda no século XVI, no Mapa de Orontius Finacius, de Munster, com a legenda: Insula Athlantica, Quam Vocant Brasilli et América, Ilha atlântica chamada Brasil e América.
Notabilíssima a confusão da velha noção da Ilha Brasil com os novos conhecimentos da região brasílica e do continente americano, dando tudo, em resumo, uma cousa só!
Mostra-se o nome ainda no Mapa de Michael Lok, de Londres, de 1582, como Ilha Brasil, na altura da Mancha. Em 1583, menciona-a uma carta enviada ao governador da praga da Rochela pelos Capitães dumas galeras francesas que viajaram e combateram "nas ilhas da Flórida, dos Selvagens e do Brasil". Cabe entre parênteses a nota de que os antigos, desde os clássicos gregos e romanos, através dos árabes, denominavam Ilha qualquer trato de terra pouco conhecido, fosse ele cabo, península ou trecho dum continente. Temos curioso exemplo disso num dos mais antigos documentos cartográficos em que aparece o nome de América: No famoso Mapa que o cosmógrafo Apiano preparou em 1520 para Solino Camer, o nosso continente vem com esta indicação — Ilha de Ámeri. Ilha era, pois, um termo meramente convencional que se dava a qualquer terra que ainda se não conhecia perfeitamente.
Paulo Gaffarel traz ainda à baila curiosíssimo atlas manuscrito da Biblioteca da Universidade de Mompilher, que consta de 52 cartas e pertenceu ao conselheiro de Clugni, membro do parlamento de Dijon, capital da antiga Borgonha, emigrado durante os horrores da Revolução Francesa. Foi seguramente desenhado depois do descobrimento do estreito de Magalhães, que já se acha nele assinalado. Na carta desse Atlas referente à América, aparece a Ilha Brazil no meio do oceano, defronte de nossas costas! E surge mais uma vez, em idênticas condições, no esplêndido Atlas veneziano de Coronelli, no ano da Graça de 1696!
Vida longa a dessa Ilha Brasil! Chegou quase ao século XVIII! Tratando do nome Brasil, Roberto Southey anota que ele pegou mais facilmente porque os geógrafos já o tinham antes posto em voga, parecendo, contudo perplexos sobre o modo de dispor dele como do título de Preste João.
Os espanhóis chegaram a batizar o porto Yaquimo dos indígenas, Jacquemel dos franceses, na ilha de São Domingos, de Porto Brasil ou Porto do Brasil. A razão, na verdade, é que por ele se escoava toda a ótima produção de madeira tintória do interior da ilha.
Referindo-se à segunda viagem de Cristovam Colombo, Pedro Martir d'Angleria registra a existência de bosques de pau-brasil, — "que os italianos chamam Verizino" — acrescenta —, na antiga Hispaniola. Os primeiros desses bosques foram achados por Bartolomeo Colombo na entrada que fez às serras de Cibana.
O porto Yaquimo se tornou, desde 1494, seis anos antes do descobrimento de nossa pátria, o escoadouro natural da madeira de tinturaria, como escreve Fernando Colombo, filho do almirante. Pedro Mártir louva a boa qualidade desse brasil, melhor do que o encontrado por Yanez Pinzon na costa lamacenta do Pária, em 1499, e que talvez contribuiu para a colocação por Juan de la Cosa duma Ilha Brasil no litoral colombiano. Pág.119
IX
Evolução e formas da palavra Brasil
A evolução dessa palavra Brasil é tão curiosa nos seus múltiplos aspecto e nas suas particularidades como uma página de folclore: a ilha assinalada por Pedro de Medina, Pizignano, Beccaria, Pareto, Toscanelli e outros cartógrafos e cosmógrafos, lendária ou ignota, de nome grafado com inconcebível variedade de formas, ora confundida com a Antilia, ora com a Montorio, ora com a ilha de sito Brandão, ora com a própria América, as vezes solitária e outras multiplicada, acaba a sua aventurosa e errante existência cartográfica, no meado do século XIX, como simples ilhéu rochoso e deserto ao sudoeste das Ilhas Britânicas ou como simples monte na ilha açoriana de Corvo.
Na evolução e transformação dessa palavra, vemo-nos diante de dois caminhos: o do nome da madeira de tinturaria e o do nome da ilha perdida
no Atlântico. Vejamos em primeiro lugar o ról das formas encontradas nos velhos documentos designando o pau-de-tinta:
Doc. de 1085: Bersil.
Doc. de 1128: Bressil, Bressili e Brassily.
Doc. de 1151: Brazilien.
Doc. de 1160: Bresil e Brezel.
Doc. de 1190: Berzil.
Doc. de 1193: Brazile, Brezil e Brasilly.
Doc. de 1198: Braxilis.
Doc. de 1208: Brezelli.
Doc. de 1221: Brasill.
Doc. de 1252: Brazil.
Doc. de 1262: Brizilien.
Doc. de 1298: Berzi.
Doc. de 1306: Braxil.
Doc. de 1316: Brecillis, Brazili e Brazilis.
Doc. de 1321: Brisolis e Brisolium.
Doc. de 1340: Brezith.
Doc. de 1368: Brisiaco.
Doc. de 1390: Brasyl.
Doc. de 1498: Brasyll.
Doc. de 1536: Brisilicum.
Doc. de 1548: Brisilium.
Docs. provençais de várias épocas: Brasilh, Bresilh Brisilh.
Docs. italianos de várias épocas: Berzi, Berzino,Uerzi, Verzi, Verzin, Verizin, Verizino e Verzino.
Docs. avulsos de várias épocas: Bersilium, Brecilli, Brezil, Bezil, Brecillio, Brazilio.
Venha em segundo lugar a lista dos termos geográficos, que patenteiam em sua disparidade a grande inconstância denominativa assinaladora da vida da palavra Brasil na geografia e na cartografia:
Bacil (1480)
Bracci
Bracie
Bracier
Bracil
Bracill (1450)
Braçil (1439)
Braçill (1482)
Bracir (1385)
Bracire (1367)
Braçir (1367)
Braçur (1367)
Brasil (1582)
Brasiliy (1547)
Brasill (1511)
Brasille (1511)
Brasyl (1513)
Braxiel
Braxil
Braxili
Braxilis
Braxylli
Brazil (1516)
Braziele
Brazile (1527)
Brazill (1514)
Brazille
Brazylle
Brazir
Bresail
Bresil (1505)
Bresilge
Bresilzi
Brezill (1350)
No Livro da Nau Bretoa:
Ho Brasyll (1511)
Formas de origem céltica:
Hy — Breassail
Hy — Bresail
Ho — Brasile
O' Brasil
O' Brasile (em 1776, segundo Jeffery)
O' Bresail
Formas germânicas:
Prazil (1492)
Presillg (1515)
Segundo Alf Torp e Moltke Moe, as formas célticas ou, melhor, irlandesas vêm da antiquíssima raiz Bress, que implica a ideia de Bençam e significa boa sorte ou prosperidade.
É dela, na opinião desses eruditos, que decorre o verbo inglês to bless, abençoar. Bresail, Bressail ou Brasil seria, pois, em celta, o País Abençoado, o País Afortunado, o País da Prosperidade ou o País da Felicidade.
A raiz Bress escreve-se com "ss", o que poderá ser mais um argumento para os que defendem a tese da grafia do nome Brasil com "s", tese sobre a qual julgamos que nenhuma dúvida pode mais subsistir. Esta questão, porém, não entra em nossas cogitações. Há sobre ela diversos trabalhos de eminentes especialistas, que poderão ser facilmente consultados por quem se interesse por esse assunto filológico. Pág.125.
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As ilhas Venturosas
Vê-se desta sorte que o nome geográfico irlandês Bresail, em qualquer de suas formas, geralmente dialetais, corresponde em suma ao que os antigos davam às ilhas do oceano Atlântico, que se pensa fossem as Canárias: — Afortunadas.
A crença na existência duma terra feliz, duma região venturosa do lado do Ocidente é antiquíssima. Encontramo-la no fundo lendário da história de todos os povos europeus e não europeus.
Vem do aalu ou hotep dos egípcios, onde viver era a maior das delícias. Vem do Uttara-Kuru indostânico, onde não nevava, não chovia, não abrasava o calor, não soprava a ventania, os leitos dos rios eram de ouro em pó, os cascalhos de diamantes e rubis, e as areias das praias de pérolas. Vem daquela assombrosa Cidade da Verdade, que os mesmos, hindus denominavam Siddaphur, antípoda da Índias na qual alguns comentadores de boa vontade querem
ver a América, coberta de castelos, cujas telhas eram de ouro. Reinaud compara Siddaphur às Afortunadas.
Até os próprios tupis, muito embora o grau de barbárie em que se encontravam, como que guardavam a vaga lembrança duma Idade de Ouro, dum Paraíso Perdido. Quando indagavam deles o porque de sua inquietude e instabilidade, vagando pelas ibiturunas e paranapiacabas, pelos araxás e retamas, pelos paranás e ipús do vasto Pindorama, respondiam que andavam em busca de Ivi-Meranhim, o País da Felicidade. E os seus guerreiros que não temessem a morte reviveriam do lado do poente, Além dos Andes.
Como ecos da existência dessa lenda vetusta em todos os povos, os geógrafos de antanho punham ilhas verdes e risonhas, onde a vida decorria maravilhosamente como um sonho prodigioso, onde tudo era encanto e fartura, boiando incertas, tentadoras ou inacessíveis à face do velho Mar Tenebroso. Ilhas Afortunadas!
É preciso ter navegado para bem compreender o efeito que as ilhas produzem nos que as avistam sobre o mar. André Demaison descreveu-o de maneira felicíssima: "Uma das maiores emoções do navegante é ver surgir do seio dos mares as ilhas, singulares vestígios dos tormentos da Terra. É trivial dizer-se a propósito que é como se se assistisse ao nascer dum mundo. Todavia essa impressão se repete,
sendo sempre nova. Nela se mescla todas as vezes uma certa esperança e uma angústia vaga. Porque a poesia que se desprende das ilhas só é igualada pela força com que essas terras isoladas atraem os continentes".
A Ysola de la Venture, isto é, da Ventura, na cartografia medieva e do Renascimento, é um dos derradeiros vestígios dessa crença, como a Mag Meld, País da Eternidade, a Green Island dos irlandeses, a Ilha Verde ou a Island of Youth, Ilha da Mocidade, que se vai prender à lenda da Fonte de Juventa, em busca da qual andaram por mares e terras tantos aventureiros e que fez o fidalgo Ponce de Leon ir parar na Flórida.
Nansen, Hovgard e outros autores de igual peso admitem que a denominação Groelândia, Terra Verde, foi dada ao gélido país do Setentrião por Eurico o Ruivo, seu primeiro povoador, com o fito de atrair ao mesmo os colonos islandeses, que pensariam pelo nome ser a terra fértil e feliz. O famoso herói das velhas sagas rúnicas aplicava, assim, sabiamente a lenda das Ilhas Venturosas, fazendo com que o vulgo confundisse com a região encontrada e que era preciso povoar as ilhas lendárias dos povos nórdicos, sobretudo dos celtas setentrionais, — a falada Ilha Verde, a que já nos referimos de modo especial, que alguns mapas posteriormente registraram, a Green Island dos irlandeses. Por sua vez,estes já chamavam, com idênticos sentido e propósito, a própria pátria da mesma maneira. A Verde Erin, A Verde Irlanda é um leit-motif dos seus cantos e de suas lendas. Verde ainda é a sua bandeira.
A lenda dessa Terra Venturosa, sempre ao poente, não só longínqua, como sobretudo pertinaz, nas tradições dos povos. Quase todos, senão todos, repitamos, acreditaram numa Idade de Ouro em tempos idos e em terras de além.
O Elíseo de Homero, por exemplo, para lá das Colunas de Hércules, era a Moradia dos Bemaventurados, tal qual a ilha de São Brandão, Terra da Promissão dos Santos. Daí o epíteto das edições latinas de Ptolomeu para as Ilhas Afortunadas: Beatorum, que a adulteração cartográfica posterior levou a Beathae Theatrum! A Odisseia descreve o Elíseo como uma ilha de fácil e doce viver, sem neve e sem chuva, refrescada brandamente pelas auras suaves do oceano bonançoso.
Esse Elysium dos antigos apresenta-se também como o Jardim das Hespéridas, Jardim Ocidental, cujas árvores vergavam carregadas de pomos de ouro, Merópida ridente, de onde nasceram os mitos americanos da Manôa e do Eldorado, que muitos diziam ter avistado e outros tantos visitado. João Afonso o Francês, piloto das escalas do Brasil, era um dos que afirmavam ter visto esse El Dorado, esse ReiDourado, todo coberto de pó de ouro, sentado no seutrono refulgente, no meio de sua cidade maravilhosa de Manôa, que se mirava nas tranquilas águas azuis do lago de Parima. É curiosíssimo como, no decorrer do tempo, o soberano El Dorado passou a ser uma região — Eldorado.
Esses mitos decaíram de seu antigo esplendor, abastardaram-se e começaram a morrer caricaturados pela gargalhada de Rabelais como o País da Cucunha. Por toda a parte, no alvorecer dos tempos modernos, se verificou esse mesmo fenômeno: os espanhóis, ao lado do Eldorado, puseram a engraçada Terra doPiripau e a Ilha da Janja, com montanhas de queijo e rios de limonada; os alemães imaginaram o grotesco Schlaraffeland, onde os porcos e gansos andavam assados pelas ruas e se amarravam os cachorros com linguiças; e os escandinavos pintaram o encantador Fyldeholmen ou País das Bebidas, cujas fontes jorravam os vinhos e aguardentes mais finos e onde nunca se via uma gota de água!
Pindaro cantou essa Terra Feliz do Ocidente, vicejante de flores e bafejada de zéfiros suaves, Ilha dos Bemaventurados, como também lhe chamou, onde os justos recebiam o prêmio devido às suas virtudes. A ode pindarica parece ter inspirado aquela leve canção francesa contemporânea que dizem referir-se ao Brasil:
"Connais-tu le pays oú fleurit l'oranger,
Le pays des fruits d'or et des roses vermeilles,Oú la vie est plus douce et l'oiseau plus léger,
Oú dans toute saison butinent les abeilles,
Oú sourit et rayonne par un bienfait de Dieu
Un éternel printemps sous un ciel toujours bleu?
C'est lá que je voudrais vivre,
C'est lá que je voudrais mourir..."
Cada poeta punha esse Elíseo onde lhe fazia conta, onde sua imaginação lhe pedia.
Os geógrafos de antanho eram um tanto poetas, ou se inspiravam nos poetas, ou davam notícias das ideias dos poetas e dos filósofos. Deodoro Siculo, por exemplo, cita longamente a famosa Panchéa de Evemero, a Ilha Maravilhosa. A obra do autor da História Sagrada infelizmente não chegou intacta até nós. Conhecemo-la através de outros autores, sobretudo Lactancio; mas o bastante para ficarmos ao par de sua tese da existência dos deuses mitológicos como homens, em épocas remotíssimas, tese que se chama o Evemerismo.
A Panchéa era uma ilha em que reinava o comunismo nos bens e a felicidade total, onde nem o individualismo se afirmava com a força de esmagar os próximos, nem existia o Estado para abafar a todos. A bondade natural dos indivíduos se desenvolvia sem peias e entraves sociais num clima delicioso, no seio maternal duma natureza risonha. Essa ilha ficava para os lados da Índia.
Deodoro Siculo considera-a como tendo existência real e afirma que de suas praias se avistava a Índia como uma névoa, no fundo do horizonte. Foi daí que se originou a crença espalhada por muitos das Ilhas Fortunadas da Arábia, que veio até o momento atual na denominação geográfica da Arábia Feliz, ao lado duma Arábia Deserta e duma Arábia Pétrea. Chamaram-se Ilhas Fortunadas da Arábia para estabelecer uma diferença com as Ilhas Fortunadas ou Afortunadas do lado ocidental.
Semelhante em tudo à Panchéa era a Ilha Fortunada de Iámbulo, que vários autores da época em que a cultura alexandrina atingiu ao apogeu escolheram para sede de suas utopias sociais.
Não podendo existir entre os homens uma sociedade ideal como sonhavam, os pensadores viam-se forçados a inventar uma região especial, ignorada e feliz, para contê-la. Essas utopias percorrem a história, ao lado das lendas das Terras Felizes nos seus múltiplos avatares, desde a República de Platão até a Cidade do Sol de Campanela e a famosíssima Utopia de Tomás Morus. No fundo dessas concepções, brilha solitária e longínqua, do lado de oeste, no meio do Oceano Tenebroso, a perdida Atlântida, a Possidônia desaparecida, que muitos filósofos antigos tomaram como simples alegoria literária de Platão, mas foi fonte perene de toda essa inspiração através dos milênios. Como as Ilhas Afortunadas estivessem além das Colunas de Hércules, no seio do pélago misterioso que se estendia a perder de vista e ninguém tinha a coragem de sulcar, pouco a pouco foram localizando as ilhas existentes e nelas pondo aqueles característicos que as lendas diziam ter a Terra da Felicidade.
Dizem alguns autores antigos que os cartagineses, entrando pelo Mar Tenebroso, descobriram uma ilha Voluptuosa. Clima suave. Perfumes sutis boiando no ar. Flores e pássaros. Céu de anil. Abundância de tudo. "Tão bela — escreve um deles — que mais parecia morada de deuses do que de homens". Trouxeram a notícia à cidade emporocrática, mas o senado se reuniu para tratar do assunto, considerou o perigo de se despovoar Cártago pela atração de tão maravilhoso lugar e não esqueceu a necessidade de ter o governo sempre conhecimento dum local de refúgio, ignorado de todos os demais, para uma ocasião de grave perigo nacional. Por conseguinte, aferrolhou com o juramento do segredo a boca dos pilotos descobridores.
Querem uns ver nesse país de maravilhas e mistérios a América, outros especialmente o Brasil. Pensa-se em geral que não passa das ilhas chamadas Afortunadas. Pomponio Mela no-las pinta em frente ao maciço do Atlas. Ali, a terra produzia sem precisar ser cultivada e os homens viviam isentos de achaques e inquietudes. Mais ou menos da mesmasorte descreve a ilha de Eritia, fronteira à Lusitania, que Eratóstenes já incluíra, com o nome de Eritéa ou Eritréa, entre as Afortunadas.
Cabe aqui observar que, segundo os geógrafos mais antigos, as Afortunadas ficavam ao sudoeste da Mauritania e tinham estes nomes: Convallis, a Montanhosa; Planaria, a Plana; Nivaria, também dita Ninguaria, a Enevoada; Ombrios, a Chuvosa; Caprária, também denominada Casperia, naturalmente por engano, a das Cabras Selvagens; Canária, afinal, a dos Cães ou, melhor, Lobos Marinhos. Ptolomeu fala da Junonia Maior e da Junonia Minor, a seis mil estádios de Gadés, que Muller considera como sendo a Forteventura e a Lançarote.
Entre essas ilhas e o litoral africano, alguns geógrafos punham uma ilha colonizada por Juba, Rei da Mauritania, que os romanos chamavam Purpuraria, em grego Eritréa. Era essa a Eritia de Pornponio Mela, a Eritéa de Eratóstenes incluída entre as Afortunadas.
Não deixa de ser curioso notar esse nome da púrpura, a cor vermelha por excelência, cujo segredo se perdeu, dado a uma ilha do oceano Atlântico, quando sabemos que o pau-brasil é a púrpura vegetal e que, antes de ser fornecido pela Hispaniola, pelo Pária e por nosso país, foi deste lado do mundo tirado da ilha Terceira e, decerto, da Madeira. Com toda acerteza, a ilha Purpuraria do Rei Juba foi a primeira terra a produzir no Ocidente o lenho de tinturaria para a Europa. Carlos Muller identifica a Purpuraria como sendo a mesma Madeira.
De longa data o imperfeito conhecimento das terras banhadas pelo Atlântico dava margem a toda a espécie de confusões. Artemidoro divergia de Eratóstenes quanto à inclusão da Eritéa ou Purpuraria entre as Afortunadas. Por sua vez, Estrabo é de opinião que as Ilhas dos Bemaventurados somente se denominaram Afortunadas por se acharem nas proximidades da Ibéria, venturoso país. Em verdade, na Ibéria colocava a fábula o Jardim das Hespéridas.
Em Deodoro Siculo, a lenda das Afortunadas apresenta-se sob outro aspecto. Foram colonizadas por Macareu após o dilúvio que reduziu à miséria o continente fronteiro; mas, nesse ponto, o historiador é nebuloso e não se sabe bem onde localizar as ilhas a que se refere. Parece que ficam no próprio mar Egeu. Demais, faz até trocadilho com o nome de seu colonizador Macareu (Makareos) e o das ilhas, em grego — Makarié, as Afortunadas.
Delas também trataram Hesiodo, Horacio, Florus, Plutarco, Plinio, Ateneu e Luciano de Samosata.
Os fenícios e seus sucessores, os cartagineses, chamavam-lhes Malkart, do nome de seu deus, equivalente a Hércules que abrira as Colunas ligando o Mediterrâneo ao Oceano. Eram divinas para eles.
O nome latino Afortunatae nada mais é do que a tradução do grego Makarié. A lenda dessas ilhas teve a grande vantagem de desafiar a curiosidade medieval, impelindo-a para oeste. Seu conhecimento perdera-se de todo durante os primeiros séculos da Idade Média com o naufrágio do Império Romano sob a imensidade bárbara. Depois, pouco a pouco se foi recobrando esse conhecimento perdido. Os geógrafos orientais, árabes especialmente, que tanta influência exerceram nas navegações e descobrimentos dos ocidentais, falavam continuamente delas.
Abulféda divide-as em dois grupos diferentes: Djezair-el-Saadet ou Afortunadas, também Djezair-al-Seada, e Djezair-el-Khalidat ou Eternas. Ibn Fátima põe-nas entre estas últimas e a África. Iakut, Kazwin, Abu-Reizan-el-Biruni identificam-nas: são uma e a mesma cousa. Allah-el-Bewri chama a todas textualmente — Fortunatus.
Na opinião geral, as ilhas Afortunadas nada mais são do que as Canárias, conquistadas no século XV por João de Béthencourt.
Na sua História Pontifical, Gonzalez de Hiescas faz notar quanto essa conquista auxiliou o descobrimento do Novo Mundo. Foi como que o primeiro passo dado para desvendar o antigo segredo do Mar Tenebroso. Humboldt é da mesma opinião. O grande sábio germânico escreve o seguinte: "A Islândia, os Açores e as Canárias são as estações que desempenharamo mais importante papel na história dos descobrimentos e da civilização, isto é, na série de meios empregados pelos povos do Ocidente para entrar em relações com as partes do mundo que ainda não conheciam". Mais adiante, acrescenta: "Essas ilhas foram postos avançados da civilização europeia, pontos de repouso e segurança". E, em outra parte, afirma: "O mito geográfico do Elíseos foi recuado para o oeste à medida que o conhecimento do Mediterrâneo se espalhava entre os gregos".
Recuou até à América e até ao Brasil.
O sentido inteiramente ocidental desse mito impeliu os aventureiros pelo oceano além, desafiando todos os perigos, ávidos de todos os mistérios. "As lendas antigas — doutrina Philéas Lebesgue, um dos crentes da Atlântida, — ressuscitam na nossa memória, de início como contos infantis próprios para embalar a imaginação sem interessar à razão; depois, de repente, lhes emprestamos uma significação transcendente, pretendendo nelas descobrir vestígios de antigas experiências de nossos remotos antepassados". Tentando refazer essas antigas experiências foi que a humanidade ocidental do Renascimento achou os mundos novos por mares que pareciam nunca dantes navegados.
As Canárias tiveram, pois, a máxima importância na história dos descobrimentos marítimos, tanto pelo que valeram objetivamente como etapas da grandemarcha, como pelo que valiam subjetivamente como objetos da lenda da Terra Feliz que ia emigrando para o oeste à proporção que não era encontrada.
Todavia, não foi João de Béthencourt, o conquistador das ilhas, o vencedor dos Reis Guanches, quem primeiro ali pôs os pés. Desde o ano 775 de Roma, conforme o testemunho de Plinio, os númidas as haviam atingido no anseio natural de desvendar os mistérios da imensidão oceânica que se lhes deparava vista do alto dos montes getulos. Em plena Idade Media, ali se detiveram os oito irmãos árabes apelidados os Almagrurinos ou Enganados, justamente porque, partindo de Lisboa e pretendendo ir até os confins do Mar Tenebroso, ficaram no caminho. No século XIV, a 12 de fevereiro de 1345, El Rei D. Afonso V de Portugal escrevia ao Papa Clemente VII que duas naus lusas tinham abordado naquelas ilhas. Daí, mais tarde, a cessão oficial das Canárias à Espanha por Portugal. Finalmente, pouco antes de João de Béthencourt, o espanhol Francisco Lapez nelas naufragou, foi acolhido pelos naturais e viveu sete anos.
A lógica dos fatos demonstra cabalmente o importantíssimo papel dessas ilhas no período histórico em que pouco a pouco se foram desvendando os segredos do oceano. Esse papel não podia passar despercebido à observação sagaz e à análise segura dos estudiosos, desde Gonzalez de Illescas ao barão deHumboldt. E bastaria, sem dúvida, a alta autoridade deste último para abonar definitivamente a veracidade da tese.
As ilhas do Atlântico, sobretudo as do Atlântico central e meridional, foram magna pars no desabrochar e no florescer das grandes aventuras pelos mares nunca dantes e nem por outrem navegados. Foram, em verdade, as gigantescas alpondras que permitiram, primeiro o salto da imaginação através do Mar Tenebroso, depois o salto dos navegadores de margem a margem, completados modernamente pelo salto dos aviões.
Quando os antigos, sobretudo os navegantes, imbuídos de preconceitos, superstições e temores, filhos da ignorância, acreditando em lendas e fantasias, espalharam a fábula das ilhas Afortunadas, que boiavam felizes, verdes e sorridentes sobre as vastas águas traiçoeiras do Mar Tenebroso, mal sabiam que criavam um verdadeiro símbolo. Essas ilhas foram, na verdade, afortunadas pelo relevante papel histórico que lhes atribuiu Humboldt e, muito antes ale, Gonzalez de Illescas, papel de degraus para a marcha da civilização rumo ao ocidente.
A mesma lenda vivia entre os povos celtas. Depois de cristianizados, punham a entrada do Paraíso na famosa Ilha de São Brandão, Brandonio, Brandonius, Brandanis ou Borodon. Antes, porém, da pregação do Evangelho entre eles, sua Ilhada Felicidade não podia ter nome de Santo e simplesmente se denominava O'Brasile ou Hy Bresail!
Nas velhas Cartas de Benincasa e de Bartolomeo Pareto bem claramente se mostra o sinal da ligação da lenda das Ilhas Afortunadas com a de São Brandão nesta curiosíssima legenda: Insulle Fortunate Sãct Brandany.
Toda a Idade Média letrada — diz Silbermann — viveu a pensar nas terras felizes e misteriosas do poente. São a Irland-Hit-Mikla, a Grande Irlanda; a paradisíaca Tvi-Nam-Bam; a Yma de São Macuto ou Maclovio; o maravilhoso Furdurstrandi dos normandos, e outras muitas. O Ymago Mundi de Pedro d'Aliaco, que inspirou Cristovam Colombo, faz-se às vezes eco desse antigo pensamento. O mesmo espírito preside à toponímia das terras visitadas pelos vikings na América setentrional: Vinland ou Vynland — A Boa.
O mito das ilhas Afortunadas, Insulae Fortunatae dos latinos, Isles of the Blest dos irlandeses, penetrou em toda a Idade Média ocidental e nórdica de tal modo que piamente se acreditou existirem do lado de oeste, cobertas de cereais e de uvas nativos, risonhas e banhadas de sol. De acordo com Plinio o Naturalista e Isidoro de Sevilha, é bem possível que essa concepção se derivasse do que se dizia sobre as Canárias, já conhecidas de númidas, getulos, fenícios e cartagineses, tanto que sempre as colocavammais ou menos onde realmente se acham, ao poente da Mauritania.
Como muitas outras tradições greco-latinas, o conto dessas ilhas passou à Irlanda medieva, de onde os bardos o espalharam pelas ilhas Orcadas, Hébridas e Feroe levando-o de etapa em etapa até a Noruega e até a Islândia. No antigo idioma escandinavo, a denominação Insulae Fortunatae foi traduzida por Vinland-Hit-Góda, isto é, Vinlandia a boa: a Boa Terra da Uva.
Posteriormente à estada dos normandos na América, as notícias das terras que descobriram ao sudoeste da Groelândia se associaram às ideias célticas sobre as Isles of the Blest, as ilhas dos Abençoados ou Bemaventurados, o Brasil, em celta, afinal. E o nome de Vinland, implicando embora a determinação da existência de frutos ou grãos naturais do país, cristalizou na essência o espírito de todas as antigas lendas que objetivavam a mesma ideia e se originavam do mesmo sentimento, gregas, romanas e célticas. Por isso, todas as terras a que aportaram os escandinavos no Novo Mundo foram Verdes, Boas ou Grandes. Nas Sagas, a Helulandia é apelidada como a Irlanda: Helluland-Hit-Mikla.
No fundo dessa vetusta lenda duma Grande Terra Feliz do Ocidente ou da IlhaAfortunada, está, como base, a recordação da Atlântida, onde, no dizer dos antigos, florescera a sonhada Idade de Ouro.[Ver imagem no original]
Carta de Andreas Bianco, 1436, indicando a Antilia e ilha do Brasil, existente na Biblioteca de S. Marcos, de Veneza (do Atlas de Kretschmer). [Ver imagem no original]
Llyuro da nao bertoa que vay pa a terra do brazyll de que som armadores bertolameu marchone e benadyto morelle e fernã de lloronha e framcysco mjz que partio deste porto de lixª a xxij de feur° de 511. [Ver imagem no original] Fac-simile da nomenclatura ylha da T e ylha da cruz, segundo a grafia quinhentista.Em 1812, no seu poema muito pouco conhecido L'Atlantiade, Nepomuceno Lemercier, um dos tradutores dos Versos Áureos de Pitágoras, resumia em uma estrofe a lenda da Eugéa ou Boa Terra,-Vinlandia a Boa dos normandos aventureiros:
"Avant les temps inscrits en nos fastes divers,
Une île assise aux lieux qu'envahirent les mers,
Autrefois domina l'Océan Atlantique
Qui longtemps à l'Europe a caché l'Amérique.
Son peuple separé du reste des humains,
Suivait de l'equité les fortunés chemins.
A' d'innocents mortels cette île partagée
Dés avant l'Age d'Or portait le nom d'Eugée".
O mesmo espírito e os mesmos motivos destes versos referentes à lenda mediterrânea-atlântica, que monsenhor Tolra chama com grande propriedade uma lenda geológica, encontramos na poesia mais moderna de Gerald Griffin sobre a versão celta:
"On the ocean that hollows the rocks where ye dwell
A shadow land has appeared, as they tell;
Men thought it a region of sunshine and rest,
And they called it O'Brasil - the Isle of the Blest.
From year unto year, on the ocean's blue rim,
The beautiful spectre showed lovely and dim;
The golden clouds curtained the deep where it lay
And it looked like an Eden, away for away".
Sente-se perfeitamente por trás das cortinas de todas essas lendas que inspiram essas poesias a tradição da Atlântida que Platão nos legou em seus diálogos imortais. Foi lá que os homens viveram a Idade de Ouro até que se perverteram e foram castigados pelos deuses com o cataclismo geológico que mudou a face do mundo.
Nas memórias dos povos boiaram lembranças esparsas de que se haviam salvado da grande comoção telúrica fragmentos da terra atlante e porções de sua gente. Situaram-nos aqui ou ali, ao sabor das fantasias ou das recordações, no lago Tritonio, o atual Chott Melhrir, ou na Noruega, no Spitzberg ou no Mar de Sargaços; acharam reminiscências entre os povos ignotos que os descobrimentos foram revelando: Guanches e Mayas, Aztecas e Aimarás, Quichuas e Antis, Chibchas e Caribes, identificados por alguns aos antigos Carios.
Numerosos foram os homens de ciência e de imaginação que puseram a Atlântida na América. Entre os geógrafos, por exemplo, Ortelius. Entre os poetas, por exemplo, Fracastor, em pleno século XVI.
Os pensadores que imaginaram a existência de terras felizes, de homens puros, onde, por assim dizer, os lobos fraternizassem com os cordeiros, beberam sua inspiração no longínquo recanto da Atlântida. Para os lados do ocidente voou o seu pensamento criador e, nas tramas de seus romances, a lembrança atlante se casou ao fato recente do descobrimento da terra americana.
É, deixando o Peru rumo da China, que Bacon encontra a "Nova Atlântida", onde floresce o ideal Instituto de Salomão, regulador da justiça. É um veterano da viagem de Américo Vespúcio, um dos vinte e quatro soldados abandonados num fortim primitivo do quase desconhecido Brasil, quem acha a Utopia e a descreve a Tomas Morus. Utopia vem do grego e significa fora do espaço. A palavra foi, decerto, inspirada em Platão, que diz ser Deus utópico e ucrônico, isto é, fora do espaço e da duração do tempo. É, finalmente, num clima positivamente americano e tropical que Campanela dá vida ao comunismo ideológico da Cidade do Sol. E, como expoente das tradições catalãs na literatura poética, Jacinto Verdaguer, no seu poema La Atlantida, pinta Cristovam Colombo partindo para descobri-la, como "de promisió à la terra soniada", a Sonhada Terra da Promissão, a mesma terra que buscara outrora, mar adentro, São Brandão. Em verdade, o próprio Colombo escrevia aos Reis Católicos, comunicando-lhes que achara indícios do Paraíso Terreal...Pág.149
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