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sábado, 10 de dezembro de 2011

Fugindo do passado




Torna-se cada vez mais difícil associar a Natal ao nascimento de Cristo. Existe muito pouco hoje, na “maior festa da Cristandade” que conduza à conclusão de o Natal ser realmente uma festa cristã. É complicado, realmente, vender geladeiras e máquinas de lavar roupa, com as menções a Deus.
O poema de Machado de Assis em que ele pergunta se somos nós que mudamos ou se o Natal, parece anteceder a uma questão hoje corrente: a irreligiosidade da sociedade contemporânea. Émile Zola – que foi um dos primeiros críticos a elogiar os pintores impressionistas – achou de chamá-los de “realistas”: eles, de fato, romperam uma tradição do cristianismo, de pintarem o ideal, como seriam as cenas religiosas. Mesmo quando retratavam alguém, não raro, um Rubens, um Delacroix ou mesmo um Ingres, trataram de fazê-lo, tendo como pano de fundo, digamos, uma cena idealizada, ou antes, um fundo nenhum. Foi o que fez Charles Dickens. Em seu famoso conto de Natal (“Christmas Carol”), tratou de pôr fantasmas na mente culpada do empresário que maltrata seu empregado, a partir da descrição de um literal pesadelo. O espectro, que arrasta correntes pela casa, e que o persegue no meio da noite, é claramente o demônio de sua consciência. Em seu poema, Machado de Assis não fala da questão do consumo que, em seu tempo, era muito precário em comparação com o que se vê hoje em dia. Mas ao detectar uma transformação (“Mudaria o Natal ou mudei eu”?), o escritor projeta a resposta que o mundo deu no futuro: o Natal, em si, já não é uma festa religiosa. Tudo indica que o que mudou foi o Natal.
Talvez a questão resida, de novo, no Papai Noel, um ícone de mentira, que sabemos ser de mentira, e que, por isso mesmo, não passa de um ícone. Na verdade, o personagem não tem nada de religioso: ele atravessa os ares com seu trenó, deixa presentes às crianças, mas não reivindica qualquer ligação com o além. Não é o Cristo da Manjedoura que o envia. Quando muito, talvez, sugira, pelas cores, a Coca-Cola: foi com o refrigerante que o Papai Noel apareceu na forma que tem hoje. O mais é a mistura: os sinos tocam em Belém “para o nosso bem”, etc e tal – mas os personagens da Manjedoura parecem resolutamente secundários, coadjuvantes quase. E para os chamados “crentes” – que na atualidade constituem mais de um terço dos religiosos do país- o Presépio sequer existe. Assim também nas representações públicas. No máximo, temos a parafernália das luzes que se enrolam nas árvores, ou que despencam dos edifícios como um espetáculo feérico – mas que parece ter mais a ver com o neon da publicidade do que com as cenas consagradas pela tradição – aquela que se estreita numa gruta, com o Menino, a Virgem, os pastores vindos ao longe – anjos luminosos, uma estrela guia, e as músicas ressoando desde a estratosfera.
Quando Nietszche disse que Deus estava morto, a reação alcançou todos os setores das religiões; a grita geral atingiu vários níveis e o próprio Nietszche foi anatemizado. Sua constatação, de que as religiões perdiam seus elos com a totalidade dos homens, a começar pela sua posição no Estado, nunca foi contestada pelos fatos. E o alarido que se seguiu a sua conclusão, fez muita gente contabilizar, não só os milagre – como os de Fátima, de Lourdes e outros -, mas todo um elenco de fatos extraordinários, os quais, entretanto, nem de longe parece terem tido o condão de ressuscitar Deus.
Evidentemente, existem os religiosos: o Papa ainda reza a Missa do Galo, os crentes em suas denominação cada vez mais numerosas (a contar pelo número de pastores “empreendedoristas”), continuam a erguer seus braços na saudação a Cristo Jesus e em seus “aleluias”. Algumas igrejas católicas esplendem em cores e luzes. Além do mais, há o islamismo. Dizer que Maomé já não tem Deus para ser seu último profeta, parece desconsiderar uma religião que cresceu desmesuradamente nos últimos anos, a ponto de os islâmicos serem, no mundo atual, em números, uma comunidade muito maior que a cristã. De fato, há aspectos de guerra religiosa na resposta que muitos muçulmanos dão às bombas dos EUA e da Otan, que negam, em princípio, a morte de Deus. No entanto, pode-se objetar que, ainda assim, soa inclusive para muitos seguidores do Profeta, quase uma regressão conceber a organização das sociedades em Estados Religiosos. No próprio Irã, aliás, há quem dê como em dias contados, a manutenção da predominância dos clérigos na condução do Estado. Lá, também Alá estaria morto.
A questão, contudo, não parece simples; e não é. Há anos, um religioso escreveu um livro sobre a arte sacra do nosso tempo. Defendia que ela existiria, a despeito da irreligiosidade desenfreada que paradoxalmente se seguiu à Segunda Guerra. Referia-se ao catolicismo e nomeava alguns artistas contemporâneos. Olivier Messiaen que morreu não faz muito, foi, realmente, um compositor que sempre se postou como católico. Escreveu obras textualmente, “para Jesus” e guardou-se de que sua fé era inquebrantável, o que não deixou de ser reafirmado até sua morte. Georges Rouault, pintor, um pouco mais velho que Messiaen, francês como ele, fez uma obra quase que inteiramente religiosa. Françoise Gilot, ex-mulher de Picasso, autora de um livro sobre o pintor, refere-se a Rouault como um artista, eminentemente, religioso. O próprio escritor inglês Graham Greene, morto há uns vintes anos, expôs o problema religioso no âmbito das questões existenciais prioritárias do nosso tempo. Mas, pelo fato de ter colocado a questão, justamente como “um problema”, não parece ter esmorecido a questão concreta de que, com ou sem “o problema”, Deus estaria, de fato, morto.
Pode-se, certamente, ler de muitas maneiras a afirmação (“aforismo”) de Nietzsche. A um homem convicto de sua fé – e há um sem número deles, inclusive entre grandes intelectuais e cientistas – a consideração seria ociosa, até contraditória. Teria de se a avaliar a questão com as devidas reservas: José Saramago, um decidido agnóstico, não imputou a Deus o “grande mal do mundo”? Como considerá-lo morto, se a cada homem-bomba no Iraque ou no Afeganistão, reacende-se a questão do martírio, que só se concebe na crença de uma fé inquebrantável? Realmente, é assim. Mas se torna cada vez mais difícil associar a Natal ao nascimento de Cristo. Ou melhor: existe muito pouco, na “maior festa da Cristandade” que conduza à conclusão de o Natal ser realmente uma festa cristã.
Claro, alguém dirá que é próprio do capitalismo não estreitar comemorações na religião. Complicado, realmente, vender certos produtos com as menções a Deus. Geladeiras e máquinas de lavar roupa, com as bênçãos do Manjedoura, são difíceis de engolir. Os religiosos que o digam.
Há as medalhinhas católicas e os dízimos protestantes, sem dúvida: todos são produtos vendidos ou comprados “em nome de Deus”. Os pagadores de promessa, que se reúnem em Aparecida, aumentam sempre, talvez não na mesma proporção de tempos atrás, mas são numeroso; só que, em todas as manifestações, o que nos identifica já não é a totalidade do ser religioso socialmente, senão a especificidade de o sermos, no âmbito de nossas respectivas igrejas e templos.
Parece ser, enfim, inelutável entre os homens, a existência de um sentimento religioso difuso. Mas já Deus é um traço subjetivo, que não se expõe na última análise das músicas, cantadas nos templos, que só têm de verdadeiramente religioso a invocação direta a Deus. Canta-se Deus em forma de rock, de música de alto consumo, mas justamente por ser também Deus um objeto de consumo. Ou seja, parece que Deus prescinde de uma música especial, de comportamentos que distingam os religiosos dos consumidores. Somos crentes para invocarmos Deus, mas não para nos alijarmos dos outros como uma característica especial.
Durante as perseguições religiosas na Roma antiga, a marca do cristão era uma espécie de divisor de águas: não havia a “mercadoria Deus”. Deve ser por Papai Noel mostrar-se tão importante, que se prescindem as ginásticas para não ofendermos ninguém, ao não invocarmos Deus justamente naquela que seria a marca da “maior festa da Cristandade”?
A pensar, certamente.

* ENIO SQUEFF é artista plástico e jornalista.

sábado, 26 de novembro de 2011

O deus da bíblia, o ensino e a história_0002.wmv



Os gregos do período clássico sabiam que a religião era uma necessidade do Estado e não do indivíduo.
Os gregos estavam desguarnecidos para uma resposta a altura do avanço judaico.
A única saída seria enfrentar o adversário com as próprias armas: O velho testamento.
Os deuses gregos prometiam nada enquanto o Deus dos judeus prometia tudo.
Foi desse modo que o todo poderoso Zeus tornou-se Deus.
O cristianismo nunca foi uma simples religião. É uma cultura religiosa heleno-judaica.
Não se admite que o Novo testamento seja apenas um livro religiosos e não histórico, no sentido que hoje compreendemos a história.
Nas profundezas da criatura humana está a espera o manual para suas decifrações.
Para a história o Deus da bíblia não é um mistério.
O aprendizado penoso tem mostrado ao longo do tempo...
Que quando persiste um mistério  alguém está ganhando com ele.
Por Ivani Medina.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

"Deus ou Natureza"

O Deus de Einstein




Quando, em 1921, perguntado pelo rabino H. Goldstein, de New York, se acreditava em Deus, o físico Albert Einstein respondeu: "Acredito no Deus de Espinosa, que se revela por si mesmo na harmonia de tudo o que existe, e não no Deus que se interessa pelo destino e pelas ações dos homens".
Einstein enfrentou críticas, e o cardeal O’Connel, de Boston, publicou uma declaração na qual dizia que a teoria da relatividade "encobre com um manto o horrível fantasma do ateísmo, e obscurece especulações, produzindo uma dúvida universal sobre Deus e sua criação". Hoje o Papa parece conviver bem com a idéia de Deus ser uma força por trás do Big Bang, conciliando (na medida do possível) ciência e religião.
Seis anos depois, em uma carta escrita a um banqueiro do Colorado, Einstein explica: "Não consigo conceber um Deus pessoal que influa diretamente sobre as ações dos indivíduos, ou que julgue, diretamente criaturas por Ele criadas. Não posso fazer isto apesar do fato de que a causalidade mecanicista foi, até certo ponto, posta em dúvida pela ciência moderna. Minha religiosidade consiste em uma humilde admiração pelo espírito infinitamente superior que se revela no pouco que nós, com nossa fraca e transitória compreensão, podemos entender da realidade. A moral é da maior importância - para nós, porém, não para Deus".
No artigo Religião e Ciência, que faz parte do livro Como vejo o mundo, publicado em alemão em 1953, Einstein escreve: "Todos podem atingir a religião em um último grau, raramente acessível em sua pureza total. Dou a isto o nome de religiosidade cósmica e não posso falar dela com facilidade, já que se trata de uma noção muito nova, à qual não corresponde conceito algum de um Deus antropomórfico (...) Notam-se exemplos desta religião cósmica nos primeiros momentos da evolução em alguns salmos de Davi ou em alguns profetas. Em grau infinitamente mais elevado, o budismo organiza os dados do cosmos (...) Ora, os gênios religiosos de todos os tempos se distinguiram por esta religiosidade ante o cosmos. Ela não tem dogmas nem Deus concebido à imagem do homem, portanto, nenhuma Igreja ensina a religião cósmica. Temos também a impressão de que hereges de todos os tempos da história humana se nutriam com esta forma superior de religião. Contudo, seus contemporâneos muitas vezes os tinham por suspeitos de ateísmo, e às vezes, também, de santidade. Considerados deste ponto de vista, homens como Demócrito, Francisco de Assis e Spinoza se assemelham profundamente".
Quem foi Espinosa, a inspiração para Einstein?
Bento de Espinosa foi um dos grandes filósofos racionalistas do século XVII, juntamente com René Descartes. Nasceu nos Países Baixos em uma família judaica portuguesa e é considerado o fundador do criticismo bíblico moderno. Foi profundo estudioso da Bíblia, de obras religiosas judaicas e de filósofos como Sócrates, Platão, Aristóteles, Demócrito, Epicuro e Lucrécio.
Foi excomungado pela Igreja devido aos seus pensamentos em relação a Deus. Espinosa foi considerado como maldito por muitos anos após sua morte. Quem recuperou sua reputação foi o crítico Lessing em seus diálogos com Jacobi, em 1784. Na seqüência, o filósofo foi citado, elogiado e inspirou pessoas como os teólogos liberais Herder e Schleiermacher, o poeta católico Novalis e o grande Goethe.
Em Haia, onde morreu, foi construído um monumento em sua homenagem, assim comentado por Ernest Renan em 1882:
"Maldição sobre o passante que insultar essa suave cabeça pensativa. Será punido como todas as almas vulgares são punidas: pela sua própria vulgaridade e pela incapacidade de conceber o que é divino. Este homem, do seu pedestal de granito, apontará a todos o caminho da bem-aventurança por ele encontrado; e por todos os tempos o homem culto que por aqui passar dirá em seu coração: Foi quem teve a mais profunda visão de Deus".


A VISÃO DE DEUS DE ESPINOSA

Espinosa defendeu que Deus e Natureza eram dois nomes para a mesma realidade. Ele afirmou que Deus sive Natura("Deus ou Natureza" em latim) era um ser de infinitos atributos, entre os quais a extensão (sob o conceito atual de matéria) e o pensamento eram apenas dois conhecidos por nós.
Deus não é entendido por Espinosa como um Ser à parte e/ou externo ao mundo, que o governa como um engenheiro ou habilidoso artesão, mas sim, de forma muito sutil e holística, a Divindade da Ordem Eterna da Natureza, muito superior ao entendimento fragmentado e antropomorfista humano. É, enfim, o Grande Uno que se expressa nos Muitos a que se faz a partir de Si mesmo. Uma visão estranha ao modo ocidental, mas bem de acordo com as mais sofisticadas concepções orientais do Divino.
Will Durant estabelece a seguinte comparação entre o sistema ético de Espinosa e os sistemas clássico e cristão: "Hoje só subsistem três sistemas de ética, três concepções de caráter ideal e de vida moral. Uma é de Buda e Jesus, que dá preponderância às virtudes femininas; que considera todos os homens igualmente preciosos; que resiste ao mal lhe contrapondo o bem; que identifica virtude com amor e se inclina, em política, para a ilimitada democracia. Outra é a ética de Maquiavel e de Nietzsche, que dá preponderância às virtudes masculinas, que aceita a desigualdade dos homens; que se deleita nos riscos do combate, da conquista e do mando; que identifica virtude com poder e exalta a aristocracia hereditária. Uma terceira é a de Sócrates, Platão e Aristóteles, que nega a aplicabilidade universal quer das virtudes masculinas, quer das virtudes femininas; que considera que somente os espíritos maduros e bem informados podem decidir, de acordo com as circunstâncias, quando deve imperar o amor e quando deve imperar o poder; que identifica virtude com inteligência e advoga no governo uma mistura de democracia e de aristocracia. O que distingue a ética de Espinosa é que ela reconcilia inconscientemente essas filosofias aparentemente hostis e as enlaça numa unidade harmoniosa e nos apresenta, desse modo, um sistema de moral que é o do pensamento moderno".
A filosofia de Espinosa tem muito em comum com o estoicismo, mas difere muito dos estóicos num aspecto importante: ele rejeitou fortemente a afirmação de que a razão pode dominar a emoção.
Um outro pensador, que eu coloco no mesmo nível de Espinosa, é Eckhart de Hochheim (1260–1327), mais conhecido como Mestre Eckhart (em reconhecimento aos seus títulos acadêmicos). Foi um frade dominicano, conhecido por sua obra como teólogo e filósofo, mas especialmente por suas visões místicas.
O psicólogo Carl Jung escreve sobre ele em seu livro "Aion: Estudos sobre o simbolismo do Si-mesmo":
A teologia de Mestre Eckhart conhece uma "divindade" à qual não se pode atribuir nenhuma outra qualidade exceto a da unidade e do ser. Ela "atua"; ainda não é dona de si própria e representa uma coincidência absoluta dos opostos:
Entretanto, sua natureza simples é, quanto à forma, sem forma; quanto ao devir, sem devir; quanto à essência, sem essência, e quanto ao conteúdo, sem conteúdo.Até onde a lógica humana alcança, a unificação dos opostos equivale a um estado de inconsciência, pois o estado de consciência pressupõe uma diferenciação e uma relação entre o sujeito e o objeto. Somente quando o Pai, "que flui" da divindade, isto é, de Deus, "percebe-se a si mesmo", é que "se torna consciente" e "se contrapõe a si próprio como pessoa". É deste modo que o Filho emana do Pai como conceito que este último tem de sua própria essência. Na sua unidade original "Ele nada conhece", exceto o "Uno supra-real" que Ele é. Do mesmo modo que a divindade é essencialmente inconsciente, assim também o é o homem que vive em Deus. No seu sermão a respeito dos "Felizes os pobres de espírito" (Mateus 5:3), diz o Mestre:
O homem que tem esta pobreza, tem tudo o que era quando não existia, em absoluto, nem para si, nem para a verdade, nem para Deus; e mais: deve tão-somente tomar consciência de si próprio, tal como se nele não existisse nenhum conhecimento de Deus. Quando o homem se encontra na eterna forma de Deus, então nele já não vive outra coisa: o que vive é o que ele próprio era. Por isso dizemos que o homem deve conhecer-se apenas a si mesmo, como se não tivesse outra coisa a fazer, deixando Deus realizar nele o que lhe aprouver. Que o homem seja apenas o que era quando veio de Deus.É por isso que Eckhart diz que o homem deve "conceber" Deus da seguinte maneira:
Tu deves concebê-lo tal como Ele é: um não-Deus, um não-espírito, uma não-pessoa, uma não-imagem; e mais: como um ser uno, puro, luminoso, isento de toda dualidade, e neste uno devemos mergulhar por toda a eternidade, do nada para o nada. Assim Deus nos ajude! Amém.O pensamento universal e abrangente de Mestre Eckhart conhece, sem o saber, tanto a primitiva experiência indiana quanto a gnóstica, e é inclusive a mais bela flor da árvore do "livre espírito" que caracteriza o início do século XIV. Por certo que os escritos do Mestre permaneceram sepultados no esquecimento durante 600 anos, uma vez que "seu tempo ainda não havia chegado". Só no século XIX é que se encontrou um público em condições de avaliar de perto a grandiosidade do pensamento de ECKHART.
Semelhantes afirmações a respeito da natureza de Deus constituem transformações das imagens de Deus, em paralelo com as mudanças que se verificam na consciência do homem, sem que se possa precisar sempre qual é a causa um do outro. A imagem divina não é uma invenção qualquer, mas uma experiência que ocorre espontaneamente ao indivíduo, fato que qualquer um pode saber à saciedade, desde que não prefira o obcecamento dos conceitos ideológicos à clareza da verdade. Por isso a imagem de Deus (de início, inconsciente) tem condições de modificar o estado de consciência, do mesmo modo que este pode introduzir suas correções na imagem (consciente) de Deus. É óbvio que isto nada tem a ver com a veritas prima (verdade primeira), o Deus desconhecido, como poderíamos provar de algum modo. Psicologicamente, porém, a idéia da agnosia (não-conhecimento, inconsciência) de Deus é da máxima importância, na medida em que ela assimila a identidade da divindade com a numinosidade do inconsciente; deste fato dão testemunho a filosofia do Atman e do Purusha, no Oriente, e Mestre Eckhart -como vimos- no Ocidente.
E assim Jung termina sua análise sobre a doutrina de Eckhart, que o filósofo Schopenhauer comparou a Buda:

Se formos à raiz das coisas, veremos que Sakiamuni (Buda) e Mestre Eckhart ensinam a mesma coisa, só que o primeiro se atreveu a expressar suas idéias de forma clara e positivamente, ao passo que Eckhart é obrigado vesti-las com a roupa do mito cristão, e assim ter de adaptar suas expressões
(Schopenhauer; O Mundo como Vontade e Representação)
Eckhart foi acusado de heresia pelo Papa João 22, mas ficou famoso pelas suas defesas, que refutaram todas as acusações. Foi discretamente "reabilitado" pela Igreja no século XX, através do Papa João Paulo II.
CONCLUSÃO
Minha idéia de Deus expressei aqui no blog muito antes de conhecer Espinosa ou Eckhart (confesso que só li sobre eles somente agora). E é similar, baseada no Taoísmo e no Hinduísmo, e desenvolvida no Budismo (que considero a "última jornada da mente", o mais próximo que se pode chegar de entender esse mecanismo no qual estamos imersos). Minha "idéia-Deus" não vê lados, engloba a Totalidade. Mas acredita sim no poder Divino que reside em nós, e se manifesta pela Vontade (e aí está minha ponte com Nietzsche e aquele pastiche de "O Segredo").
A minha "crítica" a Einstein é ele acreditar que Deus seja apenas Ordem, não jogando dados com o Universo. A Totalidade contém em si a Ordem e o Caos. Se Deus fosse um mero ordenador, não seria mais do que um computador poderosíssimo. E o que veio antes do computador? O próprio hinduísmo coloca Brahman anterior a Brahma (o Criador) e Vishnu (o Ordenador). "Deus é mais" hehehe.
Na época do meu post de 2002 achava que não, mas hoje penso sim que Deus possa jogar dados com o universo. E o Karma pode estar no meio desse jogo de dados. Como já mencionei aqui, o budismo explica que ao longo das vidas assumimos "personagens". Em palestra com o Lama Padma Samten ele desenvolveu mais o tema, pra explicar que nem sempre o personagem que você acha que foi em uma vida passada é realmente seu espírito de HOJE encarnado naquele tempo. Isso é mais explicado no post sobre o "Eu" no budismo. Padma Samten disse que o conceito de reencarnação no budismo parece às vezes contraditório porque o estamos analisando de DENTRO do Samsara. Não temos acesso ao quadro todo. E esse reconhecimento de nossa ignorância/envolvimento é a coisa mais bela que o budismo pôde oferecer ao tema, pois amplia o espectro e nos faz ver coisas como o Tsunami do Japão de uma perspectiva menos vingativa ("o povo fez isso no passado e agora está pagando, huahuahua!") e - ironicamente - mais cristã ("Em verdade vos digo que, sempre que o fizestes a um destes meus irmãos, mesmo dos mais pequeninos, a mim o fizestes"). Os japoneses foram os nossos irmãos mais velhos, que receberam (pela terceira vez) a responsabilidade de lidar com a irresponsabilidade humana em relação à radioatividade. A tristeza e consternação de hoje se traduzirão em benefícios para uma futura geração, que (espera-se) não dependerá desse tipo de energia.
Vamos caçá-lo, porque ele agüenta. Porque ele não é um herói, é um guardião silencioso, um protetor zeloso
(Final de Batman: O cavaleiro das trevas)

Vou compartilhar com vocês um exemplo musical de caos e ordem, que representa um pouco minha visão de Deus. Sempre fui uma pessoa que gosta muito de ordem, de organização, mas de forma saudável, não chega a ser um TOC. Isso se reflete também no meu gosto musical, que privilegia a harmonia. Solos "virtuosi" de rock progressivo, do jazz e da música clássica me deixam irritado com a dessincronia (que eu interpreto em minha mente como uma assimetria). Eis que, nos idos de 1998, procurando conhecer o trabalho de uma famosa cantora pop japonesa, me deparei com a música que segue:
Namie Amuro - Toi e moi
Minha primeira reação ao chegar ao final da música foi deletá-la. Essa música me dava um curto-circuito cerebral por conta de sua percussão sem sentido e mudança rápida de estilos (rap japonês (!) com baladinha, mistura de inglês com japonês, etc.). Mas depois de 1 hora me peguei cantarolando a melodia, e um conflito se estabeleceu em meu cérebro, que rejeitava e ao mesmo tempo queria aquilo. Recuperei a música e passei a ouvi-la uma, duas, três vezes seguidas... sempre estranhando-a, reclamando da agonia da bateria x calma do refrão. Pensei em tentar eliminá-la com filtros, mas era uma tarefa impossível. Depois eu passei a semana inteira ouvindo, e não é que eu prestava cada vez mais atenção (e dava valor) à bateria? De alguma forma eu senti que ela COMPLETA a música de uma maneira que a tornava ÚNICA. Ainda hoje a ouço de vez em quando, pois confesso que me causa uma sensação de estranheza e beleza, uma harmonia no caos que eu ainda não decifrei/decodifiquei racionalmente.
Talvez ela remeta musicalmente ao meu símbolo interior da Totalidade, que todos nós temos e se manifesta das mais variadas formas; mas mais comumente como a Imagem de Deus (Imago Dei). É algo que também pude verificar na terapia, ao exprimir essa Totalidade através de figuras (símbolos) opostos, perturbadores. É por isso que encerro com o comentário de Jung, que sintetiza o que vimos no texto de hoje:
Se a Psicologia se apodera destes fenômenos, só o pode fazer quando renuncia expressamente a fazer julgamentos metafísicos, e desiste da presunção de sustentar uma convicção que sua experiência científica pretensamente autoriza. Mas não é isto que vem ao caso. O que a Psicologia pode constatar é única e exclusivamente a existência de símbolos plásticos cuja interpretação, a priori, é totalmente incerta. O que se pode dizer com alguma certeza é que os símbolos apresentam um certo caráter de totalidade e por isso, presumivelmente, significam "totalidade". Via de regra, trata-se de símbolos "de unificação", isto é, de conjunções de opostos. Eles surgem do entrechoque da consciência com o inconsciente e da confusão causada por este choque, que os alquimistas chamavam de Chaos (caos) ou Nigredo (escuridão). Empiricamente, tal confusão se expressa sob a forma de inquietação e de desnorteamento. Este simbolismo circular e quaternário aparece então sob a forma de um principio ordenador compensatório, que apresenta a unificação dos opostos conflitantes como já realizada e prepara um estado de inquietação salutar ("redenção"). De início, a única coisa que a Psicologia consegue constatar é que o símbolo da totalidade expressa a totalidade do indivíduo.
Referência:
O Deus de Espinosa;
Ayrton's biblical page: Cosmologia, Einstein e Deus