Humor
Na nova geração de humoristas brasileiros, ninguém é mais temido pelos políticos que Danilo Gentili. Nascido no ABC paulista, o artista de 34 anos tornou-se algoz da categoria em 2009: como repórter do CQC, chegou a ser expulso do Congresso Nacional, em Brasília. Hoje à frente do talk-show The Noite, do SBT, Gentili mantém a política sob sua mira. Nesta segunda-feira, ele redobrará a artilharia no Politicamente Incorreto, atração na qual interpreta o fictício deputado Atílio Pereira, figurão corrupto que vira candidato a presidente da República. O canal pago FX levará o programa ao ar na mesma faixa de exibição noturna do horário eleitoral na TV aberta. Em conversa com o editor Marcelo Marthe no seu apartamento, em São Paulo, Gentili contou como é difícil fazer humor no Brasil governado pelo PT, denunciou os efeitos perversos do patrulhamento e louvou o valor do riso como antídoto contra o autoritarismo e os malfeitos.
Como surgiu a ideia de interpretar um político corrupto em um programa da TV paga que irá ao ar no horário da propaganda eleitoral obrigatória nos canais abertos? Acho importante partir para a confrontação. Hoje, as pessoas pensam que discordar de quem está no poder é um crime. Mas a liberdade de atacar os poderosos é o que faz a democracia. Sou contra a propaganda eleitoral, A Voz do Brasil e qualquer uma dessas imposições estatais. O horário eleitoral virou comércio. Como comediante, há o lado impagável de ver Lula abraçado a Maluf por causa de uns minutos a mais de propaganda. Mas mesmo um palhaço como eu fica desolado. O pior é a movimentação para estender o horário gratuito para a TV paga. Seria terrível. A coisa está muito invasiva. No período da eleição, somos proibidos de fazer piada com os candidatos. Mas não é agora que eles deveriam estar mais expostos ao bombardeio? É como se dissessem: "Eleitor, você veio à feira para comprar frutas, só que não vai poder apalpá-las. Terá de acreditar que estão boas". Recentemente, um dirigente do PT incluiu seu nome em uma espécie de lista negra de jornalistas e apresentadores de TV que seriam inimigos do partido. Isso o incomodou? Como todo rompante de autoritarismo, a lista negra do PT é patética e ridícula — mas deve ser vista como um fato alarmante.Divulgar em seu site oficial uma lista de pessoas que seriam supostamente do mal e inimigas dos pobres diz muito sobre as ideias do partido que governa o país há doze anos. Poxa, o sujeito não é um militante qualquer, é o vice-presidente do PT, Alberto Cantalice. Em outras palavras, ele estava incitando a caça às bruxas: se você for do PT e encontrar essas pessoas na rua, não hesite em tomar providências. É algo que lembra os camisas-negras do fascismo,
que saíam pelas ruas da Itália descendo o cacete em quem incomodava Mussolini. O episódio é tão grave assim? É assustador o rumo que as coisas estão tomando no país. Essas mesmas pessoas que diziam combater a censura do regime militar hoje incorrem em práticas autoritárias. Dias depois da divulgação da tal lista, eu estava andando na Avenida Paulista com minha namorada e fui hostilizado por uma militante do PT. Com jeito raivoso, ela
começou a me xingar: "Você odeia os pobres, é racista, nazista e inimigo do povo". Mas então dois meninos negros me abraçaram e disseram para ela parar de ser idiota. Eu até tirei uma foto com um deles e postei no Instagram. O dirigente do PT está à frente de uma massa de manobra, dando instruções aos militantes sobre o que fazer com quem incomoda o partido.
Está mais difícil fazer humor no Brasil governado pelo PT?
É mais difícil, sem dúvida. Inspiração para fazer rir não falta: piadas, afinal, são feitas com o erro, a coisa ruim. Não só a esquerda, como qualquer governo, dá um caminhão de material aos comediantes. Mas o que me assusta é que o espírito autoritário tente inibir qualquer crítica contra esse governo. Eu não vi isso em outros períodos. Cresci vendo Agildo Ribeiro no Cabaré do Barata. Ele tinha bonecos representando o Maluf e o Sarney. Depois, o Collor foi
malhado à vontade. Os comediantes faziam a paródia da política na TV, e ficava tudo bem. Hoje, fazer piada com a Dilma ou o Lula é um parto. Tem gente sempre a postos para dizer que você não deve desrespeitar pessoas de trajetória tão legítima etc. Se era banal fazer piada com um presidente em exercício e agora virou tabu, o país só pode ter regredido.
A que isso se deve?
É patrulhamento mesmo. A prova de que ele existe é ver um dirigente do partido que está no poder divulgar sem pudor sua lista de nomes inconvenientes. Mas vejo outra ameaça. Recentemente, proibiram comerciais voltados para crianças na TV. Esse pessoal sempre bate na tecla de que são medidas pelo bem das pessoas. Primeiro foram o cigarro e a bebida e, pelo jeito, daqui a pouco serão os alimentos calóricos. Os patrulheiros vão eliminando os anunciantes, e, em seu lugar, as emissoras passam a depender mais da propaganda estatal. Aí é que a turma que está no poder se esbalda. Eles podem ligar para um canal e exigir que não se abordem temas espinhosos, sob a ameaça de tirar do ar os anunciantes oficiais.
Os políticos brasileiros são mal-humorados?
Eles se levam a sério demais. Há um tanto de burrice envolvida nisso. O humor, por natureza, mexe com nosso lado racional. É preciso fazer a conexão entre duas ideias para compreender o que há de engraçado em uma tirada. As pessoas que aceitam piadas sobre si mesmas e riem delas são mais inteligentes. Os humoristas americanos fazem piadas impiedosas, mas os políticos são espertos para entender que rir de si próprios os toma mais populares. Quando o político prefere censurar a embarcar na piada, revela-se a burrice típica de gente autoritária. Dá para imaginar a presidente Dilma Rousseff submetendo-se ao ritual auto-depreciativo que George W. Bush ou Barack Obama enfrentaram na TV americana? Eu olho para a cara da Dilma e não acho que ela tenha sequer capacidade de entender o que é uma piada. Você acha que uma presidente que não sabe discursar tem condição de entender a sutileza do humor? Agora, tome o exemplo da Sarah Palin nos Estados Unidos. Quando ela concorreu a vice-presidente, os humoristas a massacraram. O
que ela fez? Foi ao programa Saturdoy Night Live para ouvir tudo na cara. O que o espectador achou disso? Puxa, essa mulher não é burra como eu pensava. Ao contrário da nossa. Marina Silva seria um alvo mais inspirador? Tudo que tiver uma natureza contraditória será um prato cheio. A Marina se diz crente, mas é adepta de uma ideologia eco-marxista que nega Deus. Diz ter saído do PT por desencanto com o partido, mas continua falando de Lula como se o amasse. E tem um ranço petista bem visível. Diz ser uma opção para quem não gosta do PT e do PSDB, mas também que quer governar junto com PT e PSDB. Fala que gosta de trabalhar, mas é política. Dizem que é duro entender as mulheres. No caso da Marina, acho impossível. Em um de seus livros, lê-se a piada: "O Lula bebe tanto que se quiser abastece o Aerolula com xixi". De onde sai a inspiração para tiradas assim? Ah, a piada saiu do Lula mesmo. De eu estar careca de saber que nosso ex-presidente é um bêbado. Foi um tema que fiz questão de incluir em um show que fiz pela internet, já que o Lula quis expulsar do Brasil um repórter do New York Times por falar de sua queda pelo álcool. Quanto mais autoritário é o político, mais se faz necessário tratá-lo sem o mínimo respeito. Não é normal dizer amém, vigiar-se para não falar o que você pensa. O que causa essa anestesia? Às vezes, o cidadão absorve o patrulhamento por osmose, como no experimento da caixa de Skinner: se o rato
enjaulado faz movimentos errados, ele leva choques até obedecer. Mas a metáfora que melhor se aplica ao Brasil é a história do sapo e da água quente. Quando o bicho é colocado na água fervente, ele pula. No entanto, se for posto em água fria e a temperatura subir devagar, ele não perceberá e morrerá cozido. Assim como o sapo, não estamos percebendo a escalada autoritária. Mas basta reparar na Venezuela para ver aonde podemos chegar. O senhor foi criticado por falar que os judeus temiam a chegada do metrô a um bairro nobre de São Paulo porque "a última vez que chegaram perto de um vagão foram parar em Auschwttz". A piada não passou do timite? Como em toda profissão, humoristas são passíveis de erro. Mas o que ocorre muitas vezes nem é que a tirada
seja infeliz: basta citar uma minoria para você virar um ser repugnante. A reação é histérica e tem a ver até com
analfabetismo funcional. Eu não endossei a perseguição aos judeus. A mensagem era a seguinte: gato escaldado tem medo de água fria. Mas só de citar a palavra "judeu" você está fazendo algo horrível.
O Brasil está mais para rir ou para chorar?
Está mais para rir. É o que não deixa a gente enlouquecer. Quanto mais opressiva se tornava a vida na União Soviética, mais as pessoas levavam na base da piada, mesmo sob o risco de ser presas por subversão. O humor liberta.
Na nova geração de humoristas brasileiros, ninguém é mais temido pelos políticos que Danilo Gentili. Nascido no ABC paulista, o artista de 34 anos tornou-se algoz da categoria em 2009: como repórter do CQC, chegou a ser expulso do Congresso Nacional, em Brasília. Hoje à frente do talk-show The Noite, do SBT, Gentili mantém a política sob sua mira. Nesta segunda-feira, ele redobrará a artilharia no Politicamente Incorreto, atração na qual interpreta o fictício deputado Atílio Pereira, figurão corrupto que vira candidato a presidente da República. O canal pago FX levará o programa ao ar na mesma faixa de exibição noturna do horário eleitoral na TV aberta. Em conversa com o editor Marcelo Marthe no seu apartamento, em São Paulo, Gentili contou como é difícil fazer humor no Brasil governado pelo PT, denunciou os efeitos perversos do patrulhamento e louvou o valor do riso como antídoto contra o autoritarismo e os malfeitos.
Como surgiu a ideia de interpretar um político corrupto em um programa da TV paga que irá ao ar no horário da propaganda eleitoral obrigatória nos canais abertos? Acho importante partir para a confrontação. Hoje, as pessoas pensam que discordar de quem está no poder é um crime. Mas a liberdade de atacar os poderosos é o que faz a democracia. Sou contra a propaganda eleitoral, A Voz do Brasil e qualquer uma dessas imposições estatais. O horário eleitoral virou comércio. Como comediante, há o lado impagável de ver Lula abraçado a Maluf por causa de uns minutos a mais de propaganda. Mas mesmo um palhaço como eu fica desolado. O pior é a movimentação para estender o horário gratuito para a TV paga. Seria terrível. A coisa está muito invasiva. No período da eleição, somos proibidos de fazer piada com os candidatos. Mas não é agora que eles deveriam estar mais expostos ao bombardeio? É como se dissessem: "Eleitor, você veio à feira para comprar frutas, só que não vai poder apalpá-las. Terá de acreditar que estão boas". Recentemente, um dirigente do PT incluiu seu nome em uma espécie de lista negra de jornalistas e apresentadores de TV que seriam inimigos do partido. Isso o incomodou? Como todo rompante de autoritarismo, a lista negra do PT é patética e ridícula — mas deve ser vista como um fato alarmante.Divulgar em seu site oficial uma lista de pessoas que seriam supostamente do mal e inimigas dos pobres diz muito sobre as ideias do partido que governa o país há doze anos. Poxa, o sujeito não é um militante qualquer, é o vice-presidente do PT, Alberto Cantalice. Em outras palavras, ele estava incitando a caça às bruxas: se você for do PT e encontrar essas pessoas na rua, não hesite em tomar providências. É algo que lembra os camisas-negras do fascismo,
que saíam pelas ruas da Itália descendo o cacete em quem incomodava Mussolini. O episódio é tão grave assim? É assustador o rumo que as coisas estão tomando no país. Essas mesmas pessoas que diziam combater a censura do regime militar hoje incorrem em práticas autoritárias. Dias depois da divulgação da tal lista, eu estava andando na Avenida Paulista com minha namorada e fui hostilizado por uma militante do PT. Com jeito raivoso, ela
começou a me xingar: "Você odeia os pobres, é racista, nazista e inimigo do povo". Mas então dois meninos negros me abraçaram e disseram para ela parar de ser idiota. Eu até tirei uma foto com um deles e postei no Instagram. O dirigente do PT está à frente de uma massa de manobra, dando instruções aos militantes sobre o que fazer com quem incomoda o partido.
Está mais difícil fazer humor no Brasil governado pelo PT?
É mais difícil, sem dúvida. Inspiração para fazer rir não falta: piadas, afinal, são feitas com o erro, a coisa ruim. Não só a esquerda, como qualquer governo, dá um caminhão de material aos comediantes. Mas o que me assusta é que o espírito autoritário tente inibir qualquer crítica contra esse governo. Eu não vi isso em outros períodos. Cresci vendo Agildo Ribeiro no Cabaré do Barata. Ele tinha bonecos representando o Maluf e o Sarney. Depois, o Collor foi
malhado à vontade. Os comediantes faziam a paródia da política na TV, e ficava tudo bem. Hoje, fazer piada com a Dilma ou o Lula é um parto. Tem gente sempre a postos para dizer que você não deve desrespeitar pessoas de trajetória tão legítima etc. Se era banal fazer piada com um presidente em exercício e agora virou tabu, o país só pode ter regredido.
A que isso se deve?
É patrulhamento mesmo. A prova de que ele existe é ver um dirigente do partido que está no poder divulgar sem pudor sua lista de nomes inconvenientes. Mas vejo outra ameaça. Recentemente, proibiram comerciais voltados para crianças na TV. Esse pessoal sempre bate na tecla de que são medidas pelo bem das pessoas. Primeiro foram o cigarro e a bebida e, pelo jeito, daqui a pouco serão os alimentos calóricos. Os patrulheiros vão eliminando os anunciantes, e, em seu lugar, as emissoras passam a depender mais da propaganda estatal. Aí é que a turma que está no poder se esbalda. Eles podem ligar para um canal e exigir que não se abordem temas espinhosos, sob a ameaça de tirar do ar os anunciantes oficiais.
Os políticos brasileiros são mal-humorados?
Eles se levam a sério demais. Há um tanto de burrice envolvida nisso. O humor, por natureza, mexe com nosso lado racional. É preciso fazer a conexão entre duas ideias para compreender o que há de engraçado em uma tirada. As pessoas que aceitam piadas sobre si mesmas e riem delas são mais inteligentes. Os humoristas americanos fazem piadas impiedosas, mas os políticos são espertos para entender que rir de si próprios os toma mais populares. Quando o político prefere censurar a embarcar na piada, revela-se a burrice típica de gente autoritária. Dá para imaginar a presidente Dilma Rousseff submetendo-se ao ritual auto-depreciativo que George W. Bush ou Barack Obama enfrentaram na TV americana? Eu olho para a cara da Dilma e não acho que ela tenha sequer capacidade de entender o que é uma piada. Você acha que uma presidente que não sabe discursar tem condição de entender a sutileza do humor? Agora, tome o exemplo da Sarah Palin nos Estados Unidos. Quando ela concorreu a vice-presidente, os humoristas a massacraram. O
que ela fez? Foi ao programa Saturdoy Night Live para ouvir tudo na cara. O que o espectador achou disso? Puxa, essa mulher não é burra como eu pensava. Ao contrário da nossa. Marina Silva seria um alvo mais inspirador? Tudo que tiver uma natureza contraditória será um prato cheio. A Marina se diz crente, mas é adepta de uma ideologia eco-marxista que nega Deus. Diz ter saído do PT por desencanto com o partido, mas continua falando de Lula como se o amasse. E tem um ranço petista bem visível. Diz ser uma opção para quem não gosta do PT e do PSDB, mas também que quer governar junto com PT e PSDB. Fala que gosta de trabalhar, mas é política. Dizem que é duro entender as mulheres. No caso da Marina, acho impossível. Em um de seus livros, lê-se a piada: "O Lula bebe tanto que se quiser abastece o Aerolula com xixi". De onde sai a inspiração para tiradas assim? Ah, a piada saiu do Lula mesmo. De eu estar careca de saber que nosso ex-presidente é um bêbado. Foi um tema que fiz questão de incluir em um show que fiz pela internet, já que o Lula quis expulsar do Brasil um repórter do New York Times por falar de sua queda pelo álcool. Quanto mais autoritário é o político, mais se faz necessário tratá-lo sem o mínimo respeito. Não é normal dizer amém, vigiar-se para não falar o que você pensa. O que causa essa anestesia? Às vezes, o cidadão absorve o patrulhamento por osmose, como no experimento da caixa de Skinner: se o rato
enjaulado faz movimentos errados, ele leva choques até obedecer. Mas a metáfora que melhor se aplica ao Brasil é a história do sapo e da água quente. Quando o bicho é colocado na água fervente, ele pula. No entanto, se for posto em água fria e a temperatura subir devagar, ele não perceberá e morrerá cozido. Assim como o sapo, não estamos percebendo a escalada autoritária. Mas basta reparar na Venezuela para ver aonde podemos chegar. O senhor foi criticado por falar que os judeus temiam a chegada do metrô a um bairro nobre de São Paulo porque "a última vez que chegaram perto de um vagão foram parar em Auschwttz". A piada não passou do timite? Como em toda profissão, humoristas são passíveis de erro. Mas o que ocorre muitas vezes nem é que a tirada
seja infeliz: basta citar uma minoria para você virar um ser repugnante. A reação é histérica e tem a ver até com
analfabetismo funcional. Eu não endossei a perseguição aos judeus. A mensagem era a seguinte: gato escaldado tem medo de água fria. Mas só de citar a palavra "judeu" você está fazendo algo horrível.
O Brasil está mais para rir ou para chorar?
Está mais para rir. É o que não deixa a gente enlouquecer. Quanto mais opressiva se tornava a vida na União Soviética, mais as pessoas levavam na base da piada, mesmo sob o risco de ser presas por subversão. O humor liberta.
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