A Pedagogia Progressista é no Brasil um paradigma educacional que propõe a transformação social por meio da educação. Tal proposta, sintetizando, tem como cerne a maneira como o indivíduo se propõe a explicar determinada realidade. Segundo Behrens (2005), atualmente existem três propostas inovadoras que conduz os alunos a dialogarem sobre as problemáticas de seu espaço social: o modelo sistêmico, o progressista e a pesquisa de campo.
Os pressupostos da pedagogia progressista caminham no sentido de propiciar que o aluno questione os conceitos transmitidos pelas instituições escolares. Essa problematização dos temas sociais é fundamental para uma profunda e real transformação da educação brasileira. Enfatiza-se que se quisermos que o país tenha uma educação de qualidade, cabe-nos a tarefa de reafirmar a escola como um espaço de acesso a cultura elaborada, espaço de produção cultural e intelectual.
No âmbito nacional, segundo Libâneo (1990) a metodologia progressista se manifestou por meio de três pedagogias: a libertadora, mais conhecida como pedagogia de Paulo Freire, a libertária, que reúne defensores da autogestão pedagógica e a crítico-social dos conteúdos, que, diferentemente das anteriores, acentua a primazia dos conteúdos no seu confronto com as realidades sociais. O enfoque de nossas análises consiste na pedagogia de Paulo Freire, por ser considerada crítico-social, com influência transformadora na educação.
Os Pressupostos da Metodologia Progressista levam em consideração o indivíduo como ser que constrói a sua própria história. Consiste em desenvolver atividades de ensino, nas quais, o centro do processo não é o professor, mas o aluno que se torna sujeito de seu aprendizado. Os interesses, os temas e as problemáticas do cotidiano do aluno, nesta perspectiva, devem constituir os conteúdos do conhecimento escolar. O conhecimento deve ir além da definição, classificação, descrição e estabelecimento de correlações dos fenômenos da realidade social. Sendo assim, é uma das tarefas do educador explicitar as problemáticas sociais concretas e contextualizá-las, de modo a desmontar pré-noções e preconceitos que sempre dificultam o desenvolvimento da autonomia intelectual e de ações políticas direcionadas para uma transformação social. O ensino deve ser encaminhado de modo que a dialética dos fenômenos sociais seja explicada e entendida para além do senso comum, uma síntese que favoreça a leitura das sociedades à luz do conhecimento científico.
Sob essa perspectiva, o professor atua como educador e também sujeito do processo, estabelece uma relação horizontal com os alunos e busca no diálogo sua fonte empreendedora na produção do conhecimento. O professor assume o papel de mediador entre o saber elaborado e o conhecimento a ser produzido. É importante ensinar aos alunos que as estruturas de um determinado espaço social variam de uma sociedade para outra e numa mesma sociedade, pois ela reflete as condições econômicas, políticas, sociais e culturais das sociedades em um determinado contexto, e ela está sempre em construção, por isto o cenário ideal não existe em nenhuma parte do mundo (FREIRE, 2005).
Atualmente, como reflete Behrens (2005), o aluno adquire uma visão fragmentada não somente da realidade, mas de si mesmo, dos valores e dos seus sentimentos. A tendência acentuada nas escolas do ensino médio tem caminhado no sentido de serem cada vez mais tecnicista, com a finalidade única e específica de preparação para os exames e avaliações do sistema nacional, principalmente os vestibulares. Para Behrens:
A visão fragmentada levou os professores e os alunos a processos que se restringem à reprodução do conhecimento [...]. A ênfase do processo pedagógico recai no produto, no resultado, na memorização do conteúdo, restringindo-se em cumprir tarefas repetitivas que muitas vezes, não apresentam sentido ou significado para quem as realiza (2005, p. 23).
Para isso, o professor deve questionar e induzir seus alunos à crítica da realidade circundante abrindo espaço para a democratização do saber. Segundo Freire (1997, p.81): “Ensinar é a forma que toma o ato do conhecimento que o(a) professor(a) necessariamente faz na busca de saber o que ensina para provocar nos alunos o seu ato de conhecimento também”. Behrens (2005, p.74)
Paulo Freire (1992), em sua pedagogia libertadora, apresenta uma proposta de humanização do professor como norteador do processo sócio-educativo, com o intuito de construir uma consciência crítica com relação à realidade social vivida, que está fundamentada em uma concepção de competição desmedida e desigual que refletem sob todas as camadas sociais, mas, sobretudo, com as de baixa renda.
Freire (1992) constrói seu pensamento em favor de uma sociedade mais justa e igualitária, de uma formação crítica e consciente aos estudantes.
O professor, para Freire (1997, p.15-18) deve ensinar a “pensar certo”, sendo a prática educativa em si um testemunho rigoroso. Faz parte do pensar certo a "[...] disponibilidade ao risco, a aceitação do novo e a utilização de um critério para a recusa do velho", estando presente a rejeição a qualquer forma de discriminação. Propiciar condições aos educandos, em suas socializações com os outros e com o professor, de testar a experiência de assumir-se como um ser histórico e social, que pensa, que critica, que opina, que dialóga. Para isso, exige-se a necessidade dos educadores criarem condições para a construção do conhecimento pelos educandos como parte de um processo em que o professor e o aluno não se reduzam à condição de objeto um do outro, porque ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção (FREIRE, 1997).
No meio social existe uma grande tendência de apresentarem os fatos sociais como eternos, imutáveis, distantes e obrigatórios, que ofuscam a capacidade de refletir, de acreditar na mudança. Também como resultado desse processo, tem-se o quadro da educação brasileira expresso de contradições e e
Destaca-se que na Pedagogia Progressista as temáticas de estudo são escolhidas basicamente em duas fontes. Na Sociologia, por exemplo, uma primeira fonte é o cotidiano dos alunos e suas problemáticas: violência, educação, mercado de trabalho, etc. Outra fonte é constituída pelas temáticas que interessam aos estudantes tais como: indústria cultural, diferenças raciais, consumismo, entre outros. Para isso, o professor deve atuar como mediador. A Pedagogia Progressista dá primazia aos conteúdos, mas não se resume a eles.
Para um professor realizar o trabalho dentro de uma sala de aula, ele precisa possuir o conhecimento sobre o tema a ser trabalhado, selecionar bibliografias, preparar antecipadamente as aulas e pensar método de ensino a ser aplicado. É fundamental a adoção de múltiplos instrumentos metodológicos, os quais devem adequar-se aos objetivos pretendidos, seja a exposição, a leitura e esclarecimento do significado dos conceitos e da lógica dos textos, a análise, a discussão, a pesquisa de campo e bibliografia ou outros. É importante que o professor não leve ao aluno uma interpretação fechada, e sim, os relatos, os dados pertinentes para o conhecimento, e, procurar mobilizar o conhecimento que o aluno já dispõe, e, ao mesmo tempo, procurar levá-lo a novos horizontes. Seria uma ingenuidade acreditar que os alunos não sabem nada sobre a realidade a qual pertence.
O capitalismo leva a sociedade a um consumismo para muito além das necessidades e a uma alienação coletiva, ou seja, nos afasta daquilo que nos faz humanos.
O fracasso educacional deve-se a um conjunto de contradições dentre os quais, em particular, caminha para técnicas de ensino ultrapassadas e sem conexão com o contexto social e econômico do aluno, mantendo-se o status quo, haja vista que a escola ainda é um dos mais importantes aparelhos ideológicos do Estado, e esse papel vem sendo muito bem desenvolvido, tendo em vista que formamos indivíduos “acríticos” ao sistema vigente, pois muito do que os indivíduos e as coletividades pensam, sentem, imaginam ou fazem relaciona-se direta e indiretamente com a lógica do modo de produção capitalista desenvolvida em âmbito local, nacional, regional e mundial. Como já apontava Marx; Engels (1989), que os homens são produzidos, envoltos pelo modo de produção capitalista. Portanto, para Marx e Engels (1989, p. 37) “[...] não é a consciência dos homens que determina o seu ser social; mas o seu ser social é que determina sua consciência”.
Porem, o ensino não deve ser pensado como mercadoria, serviço ou sinônimo de status.
Como eixo norteador de sua prática pedagógica, Freire (1992, p.38), defende que "formar" é muito mais que formar o ser humano em suas destrezas, atentando para a necessidade de formação ética dos educadores, conscientizando-os sobre a importância de estimular os educandos a uma reflexão crítica da realidade vivida.
Ao pensar especificamente nos alunos, muitas vezes esses vêem de famílias carentes e não possuem um referencial na família a respeito de uma sólida educação, o que não quer em nenhum momento dizer que eles não tenham potencial, pelo contrário, muitas vezes precisam apenas de oportunidades, que lhes são geralmente negadas. É evidente que nestes locais surgem alunos que conseguem vencer nos vestibulares, porém este número é muito inferior ao que se pode considerar como um índice satisfatório. Aliado a isto, as escolas são permeadas de medidas burocráticas de todo o tipo, que inviabilizam uma alternativa ao ensino tecnicista, ou a busca de novos métodos.
O pensamento de que as aulas tradicionais são tediosas e desnecessárias, se faz presente entre a maioria dos alunos. O imediatismo presente no pensamento da maioria é visivelmente exposto. O professor deve trabalhar fatos, dados e relações, sem por em questão autoridades como famílias, crenças e religiões.
Como constatado, é desanimador o quadro atual da educação brasileira. A profissão do professor está sendo bastante menosprezada no país. Mas é preciso continuar na luta pedagógica. Como futuros sociólogos apontamos que um primeiro passo é problematizar os fatos sociais, pois a partir do momento que refletimos e dialogamos sobre eles, muitas das dificuldades enfrentadas na educação, podem sair do plano da constatação. Se nos calarmos, se pararmos de reivindicar, perderemos mesmo o pouco reconhecimento que a educação ainda possui. Por isso temos que ampliar a discussão para que a educação tenha maior espaço e melhores condições dentro da sociedade brasileira.
O homem não está alheio ao seu tempo histórico, o agente não constrói individualmente a si mesmo, por isso devemos produzir uma reflexão da realidade como um todo. Neste contexto em que o ideário neoliberal incorpora, dentre outras, a categoria de autonomia, é preciso também atentar para a força de seu discurso ideológico e para as inversões que podem operar no pensamento e na prática social ao estimular o individualismo e a competição. Sendo assim, para propor mudanças é preciso uma prática de vigilância constante e contínua contra toda e qualquer prática de desumanização. Não é possível ao sujeito ético viver sem estar permanentemente exposto a transgressão da ética, temos então de aprender a fazer uma auto-reflexão crítica permanente. Como pondera Freire (2000, p. 23): “A Histórica é um tempo de possibilidades e não de determinação”.
Ensinar requer a plena convicção de que a transformação é possível porque a história deve ser encarada como uma possibilidade e não como um determinismo moldado, pronto e inalterável. Para isso é preciso desnaturalizar, tornar evidente as contradições e fazer este exercício de estranhamento é um dado decisivo no processo de conhecimento de nossa própria cultura. O educador não pode ver a prática educativa como algo sem importância, ao contrário, ele deve sempre perseguir um constante processo de reafirmação dos valores da educação. O educador não deve barrar a curiosidade do aluno, pois é de fundamental relevância o incentivo à sua imaginação, intuição, senso investigativo, enfim, sua capacidade de ir além. Conhecimento é poder, poder de questionar os discursos dominantes.
As tendências pedagógicas não são inatas, são oriundos de conflitos e debates, das contradições sociais, são originadas num determinado momento histórico, tendo que durante a sua trajetória aperfeiçoá-las ou mesmo substituí-las, são as relações sociais que constituem o ser social em qualquer contexto. A estrutura social está sempre em movimento, que se desdobra e se especifica, se revela em relações, processos e estruturas. A sociedade não está dada e pronta e definitiva. Para alguns interessa que ela se mantenha como está, para outros, há o desejo que ela se modifique. Nas palavras de Bourdieu (1997, p. 20): “Apenas conhecendo as leis específicas do campo é que podemos compreender as mudanças nas relações entre os agentes”.
É necessário reduzir a distância entre o que se diz e o que se faz de forma que a fala seja o reflexo da prática, enfatizamos que as teorias são importantes, no entanto cabe ao professor construir sua didática, embasado nelas, lembrando que elas são elementos norteadores e não "receitas" prontas. Freire (1997) nos provoca continuamente a sermos coerentes em nossas atitudes.
A leitura de Freire (1997) nos inspira na busca de uma educação pautada no respeito humano que na partilha de saberes possa construir novas idéias, ampliar e refutar saberes antigos. Deve-se enxergar em meio às contradições de um sistema de ensino desigual e injusto, alternativas para a superação, pois assim, criaremos condições de emancipação. Não existe uma solução única e simples para resolver os problemas educacionais. Faz-se necessário problematizar nossas questões no sentido de não esconder ou camuflar as diferenças, de não aceitar o consolo da falsa consciência. Deve-se procurar o conhecimento sobre a experiência concreta do vivido, nas práticas culturais de determinada sociedade; na formalização dessa prática em produtos simbólicos; nas estruturas sociais que influenciam a foram de ser da educação.
A prática educativa é um constante exercício em favor da construção e do desenvolvimento da autonomia de professores e alunos, não obstante transmitindo saberes, mas debatendo significados, construindo e redescobrindo os mesmos, pois temos a necessidade de aprender e também de ensinar, intervir e conhecer. Construir uma nova sociedade pode ser também construir novas relações e consciências.
Referências:
BARRETO, V. Paulo Freire para educadores. São Paulo: Arte & Ciência, 1998
BEHRENS, M. A. O Paradigma Emergente e a Prática Pedagógica. Petrópolis: Vozes, 2005.
BOURDIEU, P. Pierre Bourdieu. Coleção Grandes Cientistas Sociais. São Paulo: Àtica, 1983.
__________, P. Os usos sociais da ciência: Por uma sociologia clínica do campo cientifico. São Paulo: Unesp, 1997.
FREIRE, P. Educação e Mudança. 4ºed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
_________. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
_________. Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
_________. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Unesp, 2000.
_________. Por uma pedagogia da pergunta. 3ºed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. Júlio César Lourenço e Verônica Yurika Mori