Ministro Temporão, este fato é para ponderar e resolver com soberania; pelo visto ainda não resolvido sendo estas, "Ongs verdadeiras".
ONGS BRASILEIRAS FICAM SEM OS RECURSOS DA USAID - Marcelo Araújo Campos - Médico infectologista e membro da Associação Brasileira de Redutores de Danos - ABORDA
Marcelo Araújo Campos
A USAID condiciona seu apoio financeiro à adoção de diretrizes morais e religiosas, conforme definidas pelo governo EUA. Não importa que os Estados Unidos se digam um Estado laico. Com isso, foi suspenso o apoio às ONG brasileiras que trabalham com "gays", "prostitutas" e "pessoas que estão se matando de usar drogas", já que essas pessoas, de acordo com o governo americano, não merecem ajuda.
Estou usando os termos que o governo americano usa, embora prefira "homens que fazem sexo com homens", "trabalhadores do sexo" e "pessoas que usam drogas".
Explicar a preferência não vem ao caso agora. O governo e as ONGs brasileiras, sensatamente, optaram por recusar a "ajuda" por entender que, se aceita nos termos da USAID, comprometeria a qualidade das reações brasileiras à epidemia de Aids. Isso por que as diretrizes brasileiras, ao contrário das americanas, vêm priorizando a ciência e a eficácia real, não o moralismo e as superstições. Estamos buscando lucidez e relações causais, interpessoais e sociais, mais autênticas e justas.
Enquanto isso, cada vez mais o governo americano se distancia da realidade e aplica restrições à produção e divulgação da ciência produzida inclusive pelos próprios órgãos americanos. Isso ocorreu com o NIH e com o CDC, no último XV Congresso Internacional de Aids, em Bangcoc, Julho/2004, e provavelmente vai voltar a ocorrer no XVI, em Toronto/2006.
Recorda-me definição interessante de "fanático": é aquele que diz que, o que o desagrada, desagrada a Deus. Para os brasileiros as interferências americanas, e especificamente da USAID, afrontando direitos humanos, não são novidade.
Nos anos 1960 a mesma USAID, aliada à ditadura militar de tristíssima memória, usava a mesma manipulação, pelo poder econômico da concessão de bolsas de estudo, para influenciar e minar as tentativas de democracia pelo movimento estudantil. Foi época de decisões "ministeriosas", que estamos tentando superar no Brasil, e que os americanos também sofreram: a guerra do Vietnã foi fruto da mesma política.
Nos EUA isso é passado, talvez não interesse aos americanos o que está acontecendo agora entre a USAID e ONGs do Brasil. Também é fato que conheço pouco a constituição americana. Tenho cópia da constituição brasileira, e ela diz "saúde é direito de todos", não diz "saúde é direito de todos, exceto homossexuais, trabalhadores do sexo e pessoas que usam drogas". E sei, como ativista nos movimentos sociais brasileiros, que a maneira mais eficaz de enfrentamento das epidemias e outras formas de violência é empoderar as pessoas a atuarem na diminuição de própria vulnerabilidade. Mas isso é perigoso demais para o governo dos EUA.
De nossa parte, aceitar os termos e recursos da USAID é perigoso demais para nós. Não é exatamente questão "ideológica" ou de orgulho estúpido de subdesenvolvidos, embora envolva ideologia e orgulho. Substituir o caminho que estamos seguindo, de rigor técnico e ético, pelo moralismo supersticioso da USAID, seria condenar nossa eficácia, a médio prazo perderíamos a confiança e a legitimidade junto às pessoas com quem trabalhamos, veríamos esvaziada a fonte de poder dos movimentos sociais (será que isso seria "efeito colateral" ou o objetivo?).
Sei que não podemos confundir a doutrina dos EUA com a opinião de todos os americanos. Entre as perversões do governo Bush e as do nosso movimento social, ficamos com as nossas. Mas não é um alívio? Quem sabe a USAID usa esses 40 milhões de dólares nos EUA mesmo? Podemos dar cursos sobre ativismo, advocacy e empoderamento de minorias para os técnicos da USAID. E eles nem precisam contar isso para ninguém.
Fica sendo segredo nosso. Top secret: "operação cucaracha safada".
Que saudade do Henfil, que morreu de aids..."
Marcelo Araújo Campos é médico infectologista e membro da Associação Brasileira de Redutores de Danos - ABORDA
ONGS BRASILEIRAS FICAM SEM OS RECURSOS DA USAID - Marcelo Araújo Campos - Médico infectologista e membro da Associação Brasileira de Redutores de Danos - ABORDA
Marcelo Araújo Campos
A USAID condiciona seu apoio financeiro à adoção de diretrizes morais e religiosas, conforme definidas pelo governo EUA. Não importa que os Estados Unidos se digam um Estado laico. Com isso, foi suspenso o apoio às ONG brasileiras que trabalham com "gays", "prostitutas" e "pessoas que estão se matando de usar drogas", já que essas pessoas, de acordo com o governo americano, não merecem ajuda.
Estou usando os termos que o governo americano usa, embora prefira "homens que fazem sexo com homens", "trabalhadores do sexo" e "pessoas que usam drogas".
Explicar a preferência não vem ao caso agora. O governo e as ONGs brasileiras, sensatamente, optaram por recusar a "ajuda" por entender que, se aceita nos termos da USAID, comprometeria a qualidade das reações brasileiras à epidemia de Aids. Isso por que as diretrizes brasileiras, ao contrário das americanas, vêm priorizando a ciência e a eficácia real, não o moralismo e as superstições. Estamos buscando lucidez e relações causais, interpessoais e sociais, mais autênticas e justas.
Enquanto isso, cada vez mais o governo americano se distancia da realidade e aplica restrições à produção e divulgação da ciência produzida inclusive pelos próprios órgãos americanos. Isso ocorreu com o NIH e com o CDC, no último XV Congresso Internacional de Aids, em Bangcoc, Julho/2004, e provavelmente vai voltar a ocorrer no XVI, em Toronto/2006.
Recorda-me definição interessante de "fanático": é aquele que diz que, o que o desagrada, desagrada a Deus. Para os brasileiros as interferências americanas, e especificamente da USAID, afrontando direitos humanos, não são novidade.
Nos anos 1960 a mesma USAID, aliada à ditadura militar de tristíssima memória, usava a mesma manipulação, pelo poder econômico da concessão de bolsas de estudo, para influenciar e minar as tentativas de democracia pelo movimento estudantil. Foi época de decisões "ministeriosas", que estamos tentando superar no Brasil, e que os americanos também sofreram: a guerra do Vietnã foi fruto da mesma política.
Nos EUA isso é passado, talvez não interesse aos americanos o que está acontecendo agora entre a USAID e ONGs do Brasil. Também é fato que conheço pouco a constituição americana. Tenho cópia da constituição brasileira, e ela diz "saúde é direito de todos", não diz "saúde é direito de todos, exceto homossexuais, trabalhadores do sexo e pessoas que usam drogas". E sei, como ativista nos movimentos sociais brasileiros, que a maneira mais eficaz de enfrentamento das epidemias e outras formas de violência é empoderar as pessoas a atuarem na diminuição de própria vulnerabilidade. Mas isso é perigoso demais para o governo dos EUA.
De nossa parte, aceitar os termos e recursos da USAID é perigoso demais para nós. Não é exatamente questão "ideológica" ou de orgulho estúpido de subdesenvolvidos, embora envolva ideologia e orgulho. Substituir o caminho que estamos seguindo, de rigor técnico e ético, pelo moralismo supersticioso da USAID, seria condenar nossa eficácia, a médio prazo perderíamos a confiança e a legitimidade junto às pessoas com quem trabalhamos, veríamos esvaziada a fonte de poder dos movimentos sociais (será que isso seria "efeito colateral" ou o objetivo?).
Sei que não podemos confundir a doutrina dos EUA com a opinião de todos os americanos. Entre as perversões do governo Bush e as do nosso movimento social, ficamos com as nossas. Mas não é um alívio? Quem sabe a USAID usa esses 40 milhões de dólares nos EUA mesmo? Podemos dar cursos sobre ativismo, advocacy e empoderamento de minorias para os técnicos da USAID. E eles nem precisam contar isso para ninguém.
Fica sendo segredo nosso. Top secret: "operação cucaracha safada".
Que saudade do Henfil, que morreu de aids..."
Marcelo Araújo Campos é médico infectologista e membro da Associação Brasileira de Redutores de Danos - ABORDA