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São Paulo, Capital, Brazil

quinta-feira, 27 de abril de 2017

História Militar do Brasil - Gustavo Barroso ( Enquanto o Brasil se unificava sob a coroa real e sob a coroa imperial, o conquistado pelos Bandeirantes Vice Reinado do Prata se dividia)

Obra: História militar do Brasil (1935)
Por: Gustavo Barroso

ÍNDICE

   VESTÍBULO - 7
I PARTE
HISTÓRIA DA ORGANIZAÇÃO DO EXÉRCITO, SEUS UNIFORMES, HIERARQUIA E ARMAMENTOS
   I — Séculos XVI, XVII e XVIII — Brasil Colônia - 11
   II — Século XIX — Brasil Reino - 26
   III — Século XIX — Brasil Império: Primeiro Reinado - 37
   IV — Século XIX — Brasil Império: Regência - 49
   V — Século XIX — Brasil Império: Segundo Reinado até a Guerra do Paraguai - 53
   VI — Século XIX — Segundo Reinado: Da Guerra do Paraguai à República - 73
   VII — Séculos XIX e XX — Brasil República - 85
   VIII — Séculos XIX e XX — Da Regência à República — A Guarda Nacional - 97
   IX — Hierarquia - 100
   X — Armamento - 108
II PARTE
   HISTÓRIA DAS GRANDES CAMPANHAS MILITARES
   I — O Brasil Nação - 117
   II — Guerra contra Artigas - 123
   III — Guerra da Cisplatina - 146
   a) A campanha terrestre - 146
   b) A campanha naval - 165
   IV — Guerra contra Rosas - 185
   V — Guerra contra o Uruguai - 203
   VI — Guerra do Paraguai - 215
   a) A Tríplice Aliança - 215
   b) A ofensiva paraguaia - 228
   c) A contraofensiva e a invasão - 261
   d) A guerra de posição - 282
   e) A guerra de movimento - 297
   f) A perseguição - 336
VESTÍBULO
   Este livro é o resultado duma campanha nacionalista que iniciei há 24 anos, em 1911, pelo "Jornal do Comercio", quando lancei a ideia da fundação dum Museu Histórico de caráter militar. Não me arrefeceram o entusiasmo, com o correr dos anos, a indiferença geral, a baba dos despeitados, as injustiças do poder público e os ataques mesquinhos de alguns positivistas. Continuei-a ininterruptamente pela imprensa, onde quer que escrevesse. Fiz conferências no Clube Militar e nas academias. Levei-a para o seio do Congresso Nacional. Publiquei cinco livros sobre os episódios de nossas guerras estrangeiras e um sobre nossas tradições militares, justificando a minha ideia da criação dos Dragões da Independência; organizei, nomeado pelo presidente Epitacio Pessôa, o Museu Histórico Nacional, desenvolvi-o, malgrado os obstáculos, e tornei-o, felizmente, uma instituição digna do nosso passado; comemorei o centenário de nossa emancipação política com uma obra sobre os nossos uniformes e organizações militares, em colaboração com o pintor J. Wasth Rodrigues; e, no curso de Museografia do Museu Histórico, procurei ensinar aos moços o amor de nossas glórias.
   O resumo histórico de nossas campanhas contido neste volume foi constituído com a série de
lições sobre História Militar do Brasil, dadas no Curso de Extensão Universitária do mesmo Museu em 1933, que repeti em 1934 na Escola de Oficiais da Milícia Integralista do Distrito Federal. Preencho, outrossim, sensível falha da nossa bibliografia. A única História Militar do Brasil existente foi escrita, em 1762, por José de Mirales!
   Foi essa, sem falsa modéstia, a pequena contribuição que pude prestar ao meu país em prol da restauração do culto de seu glorioso passado. Se lhe falta ciência, não lhe falta, estou certo, consciência, que esta se mostra a cada passo na sinceridade dos propósitos e, sobretudo, no meu amor pelo Brasil.
   GUSTAVO BARROS
I PARTE  (Pág.11)
   HISTÓRIA DA ORGANIZAÇÃO DO EXÉRCITO, SEUS UNIFORMES, HIERARQUIA E ARMAMENTOS

CAPÍTULO I
   SÉCULOS XVI, XVII E XVIII. BRASIL COLÔNIA
   A primeira tropa mais ou menos regular que teve o Brasil, vinda de Portugal, foi composta pelos 600 voluntários desembarcados com o governador-geral Tomé de Souza, na Bahia, em 1549. Sobre sua organização, bem como sobre a dos soldados que combateram os franceses no Rio de Janeiro às ordens dos Sás, ao certo nada se sabe. Assim, no século XVI, da divisão do Brasil em capitanias até as invasões estrangeiras, não se conhecem documentos seguros de nossa vida militar. Os homens desse tempo, como os bandeirantes a que aludia Dom Luiz de Céspedes, alçavam bandeiras e nomeavam eles próprios os seus capitães sem levar em conta ordenanças reais.
   No século XVII, a situação é outra. Torna-se maior o interesse da metrópole pelo país, pois a ambição de outras nações colonizadoras faz com que se pense mais na defesa do Brasil. Travam- se grandes lutas. As forças que nelas tomam parte são formadas no nosso próprio território, de acordo com os preceitos militares da época. Aparecem os terços de brancos, de pretos, de pardos e de índios. O terço era a unidade tática que sucedera, no ocidente europeu, a variável e confusa hoste ou mesnada medieval, como essa fora sucessora da formidável legião romana, por sua vez herdeira da falange greco-macedônica. O terço tinha dez companhias de cem homens cada uma, comandadas por capitães, que, em parada, como os das companhias atuais, iam, em fileira, à frente, seguidos de dez pajens levando sobre almofadas de veludo seus capacetes emplumados. Formação militar eminentemente peninsular criada pelo grande capitão espanhol Gonçalo de Córdova. Governava o terço um mestre de campo, auxiliado por um sargento-mor e por um ajudante. As primeiras companhias eram armadas de chuços e chifarotes; seus oficiais inferiores tinham espadas. As últimas carregavam mosquetes e seus sargentos e cabos, piques ou alabardas. Todos os oficiais subalternos e superiores traziam bastões de comando.
   Em 1629, quando Matias de Albuquerque chegou ao Recife, encontrou para defender a capital ameaçada pelos holandeses somente 130 homens. Imagine-se, pois, o valor dos chefes dessa época que escreveram a epopeia da guerra holandesa coroada pelas esplêndidas vitórias das Tabocas e dos Guararapes. Nelas muito se distinguiram as célebres "companhias de assalto". Como nessa campanha Henrique Dias se tivesse coberto de glória a frente de seu terço de pretos, durante mais ou menos dois séculos, existiu no Exército do Brasil uma formosa tradição: terços e, depois, regimentos, em Pernambuco, na Bahia, no Rio, em Minas, de caçadores a pé das milícias, com fardas brancas paramentadas de vermelho, compostos unicamente de negros e intitulados Henriques ou Caçadores-Henriques. Essa tradição infelizmente desapareceu.
   Após a guerra holandesa, o governador Brito Freire, restaurando a capitania de Pernambuco, deu-lhe uma de nossas mais antigas organizações militares. Determinou que cada comarca fornecesse um terço de soldados locais, dando cada freguesia uma companhia e sendo seus capitães e mestres de campo os homens de melhor posição entre os habitantes. Desta sorte preparou uma espécie de reserva territorial de 6.500 infantes e 800 cavalos. Devemos fazer notar que tais organizações eram, em verdade, mais teóricas do que práticas, não correspondendo seus efetivos e formações irregulares, sob o comando de oficiais, que se armavam e fardavam à sua custa, ao que a lei preceituava. Entretanto, elas às vezes se mobilizavam em grande número e tão rapidamente quanto era possível no seu tempo. Haja vista a rapidez com que o governador de Minas acorreu com um pequeno exército miliciano em defesa do Rio de Janeiro atacado pelos franceses, não chegando infelizmente em ocasião de salvar a nossa capital, graças à covardia de quem a governava. A tradição desses fazendeiros militares, dessa grande reserva territorial veio até nossos dias com a Guarda Nacional, cujos serviços na campanha do Paraguai a cobriram de glória.
   Durante o século XVII, a organização militar mais interessante é a pernambucana, porque aquela região saía de terrível luta. Após Brito Freire, em 1663, em plena paz, o conde de Óbidos reformou o que ele fizera, reduzindo toda a tropa a dois únicos terços completos. Mais tarde, o governador Henrique Luiz Freire criou o regimento de dragões auxiliares a pé, dividido em dois batalhões de dez companhias cada um, com 1.200 baionetas, tambores e oficiais, repartido pelos distritos de Olinda, Recife, Beberibe, Cabo e Iguarassu [Igarassu]. Havia mais, então, dois regimentos de cavalaria ligeira de ordenanças, um com 600 cavalos nos distritos de Itamaracá e Goiana, outro com 500, nos de Alagoas, Porto Calvo e Serinhaem [Sirinhaém].
   Em Olinda e Recife, estacionavam dois regimentos de infantaria paga, tropa ativa, não territorial como as outras, cada qual com dez companhias, sendo uma delas de granadeiros; e mais 150 soldados de artilharia. Cada companhia tinha o seguinte efetivo: 44 soldados, quatro cabos, dois sargentos, um alferes, um tenente, um capitão e um tambor; as de granadeiros eram maiores: 55 soldados, os mesmos inferiores e superiores, e, além do tambor, um pífano ou pífaro.
   Conservava-se religiosamente o terço preto de Henrique Dias, por patente do conde da Torre, de 4 de setembro de 1639, nomeado primeiro governador e cabo dos negros e mulatos do Brasil. Completava essa organização militar uma força de 13 companhias de ordenanças (cavalaria) e quatro terços de infantaria, distribuídos por freguesias e comarcas. No meado do século XVII, toda essa tropa era regularmente fardada e armada.
   Com a mesma formação de reserva territorial, havia no Ceará e Rio Grande do Norte dois terços de infantaria e um regimento de ordenanças, cuja eficiência deixava muito a desejar. Além disso, duas companhias de guarnição dos fortes, chamadas "companhias fixas" ou "pés de castelo".
Nas demais capitanias, mais ou menos idêntica organização.
   No começo do século XVIII, de 1718 a 1720, assume a de Minas Gerais maior importância devido às minas de ouro e diamantes. O governo metropolitano manda ali, para guarnição e policiamento, as duas famosas companhias dos Dragões Reais das Minas, aquartelados em Cachoeira do Campo.
   Nessa época, a maior força armada do Brasil estava na Bahia: oito regimentos de ordenanças, suprimidos em 1739, quando se criaram para substituí-los quatro terços auxiliares nas suas quatro vilas mais populosas. Além de haverem tomado parte na guerra holandesa, as tropas baianas foram mandadas, em grande parte, para a restauração de Mombaça e fizeram, depois, a campanha da Colônia do Sacramento. Então, já a maioria da soldadesca e oficialidade das forças auxiliares e mais de um terço dos efetivos das de linha se compõem de brasileiros natos. A guarnição da Bahia contava ainda um batalhão de artilharia com seis companhias, comandado por um tenente-general, tendo como oficiais um condestável, um sargento-mor, um ajudante, seis capitães e tenentes; e dois regimentos de infantaria com o total de 1.500 homens. (segue, capítulo Pág.16)

Pág.26 

CAPÍTULO II
   
SÉCULO XIX. BRASIL REINO
   A expansão do imperialismo napoleônico e a resistência que lhe opôs o poderio inglês determinaram, na Europa, uma série de acontecimentos, cuja repercussão na Península Ibérica forçou a Corte de Lisboa a refugiar-se no Brasil. Instalado no Rio de Janeiro, viu o príncipe regente a necessidade de dar melhor organização às forças da colônia elevada a reino. Na capital brasileira, existiam os antigos regimentos com os uniformes bastante modificados. Os granadeiros, por exemplo, traziam cartolas guarnecidas, na copa, por uma tira de couro, desde a parte anterior até a posterior, conforme usaram as milícias portuguesas do fim do século XVIII a 1806. Esses uniformes estão documentados num manuscrito datado de 1800, existente na Biblioteca Nacional. Por ele se verifica que as companhias de granadeiros, fuzileiros e caçadores de cada regimento de infantaria se distinguiam pelo correame, fardamento e armamento. Dentro em pouco, cada uma dessas especialidades da mesma arma formará uma unidade tática à parte.
   A 13 de maio de 1808, o príncipe criou o 1° Regimento de Cavalaria do Exército, ainda hoje existente, o nosso corpo mais antigo, para cuja organização serviu de base o velho esquadrão de dragões da Guarda dos Vice-Reis. Deu-lhe o mesmo quadro das unidades portuguesas dessa arma: oito companhias. No mesmo dia, criou a Guarda Real do Príncipe ou Arqueiros da Guarda Real, para serviço do paço e pessoal do monarca, incumbindo o marquês de Belas, que viera, como capitão, com alguns arqueiros, de Portugal, de comandar os seus 25 homens. Regularizou o corpo da Brigada Real de Marinha, tornando-o Regimento de Artilharia de Marinha, com três batalhões de oito companhias cada um. Desse corpo se originaram os nossos Fuzileiros Navais.

   Sigamos um pouco a vida dessa unidade tradicional da nossa história militar. Em 24 de outubro de 1822, D. Pedro fê-la Batalhão de Artilharia a Pé do Rio de Janeiro. Em janeiro de 1826, mudou-a em Imperial Brigada de Artilharia de Marinha, com 1.753 praças, ao princípio, e três mil, mais tarde. Em 1847, deram-lhe o título de Fuzileiros Navais. Na República, tem sido Infantaria de Marinha ou Batalhão Naval, variando bastante seus efetivos.
   D. João VI desdobrou mais a Brigada de Cavalaria de Milícias em dois regimentos e aumentou o Batalhão de Caçadores-Henriques, tornando-o regimento. Em Pernambuco, criou o Corpo de Voluntários Reais com o efetivo de mil homens. Em São Paulo, havia a sua célebre Legião, fundada pelo capitão-general Martins Lopes em virtude duma carta régia de 1775, a qual esteve sempre em guarda às fronteiras e ali ainda tinha em 1814 2.500 homens, composta desta maneira: dois batalhões de infantaria, três esquadrões de cavalaria e três companhias de artilharia. Existia, independente, um regimento de infantaria. D. João deu nova organização a essas tropas. A legião passou a ter três batalhões de infantaria, quatro esquadrões de cavalaria, duas baterias de artilharia a cavalo e uma companhia de artilheiros-cavaleiros. O regimento independente foi dividido em 1° e 2° batalhões de caçadores. Instituiu-se um regimento de cavalaria de milícias, com Estado-Maior e quatro esquadrões formados por destacamentos dos três regimentos de cavalaria de milícias da capitania. Manteve-se na praça de Santos o regimento de caçadores que datava de 1766.


CAPÍTULO III
 
  SÉCULO XIX. BRASIL IMPÉRIO: PRIMEIRO REINADO
   Proclamada a Independência, o primeiro cuidado de D. Pedro I foi tornar, pelos seus distintivos e uniformes, os soldados brasileiros completamente diferentes dos portugueses. A 18 de setembro de 1822, criou o emblema que se usou até 1825 no alto da manga esquerda e se chamava tope, composto por um círculo verde acima duma fita amarela em que se lia o dístico "Independência ou Morte!". Modificaram-se golas, canhões e penachos, as primeiras partes do fardamento que se tornaram carateristicamente nacionais. Na obra de Debret, figura um oficial de caçadores fardado ao estilo da época, cujo primeiro batalhão foi criado pela reorganização de 1818 e mantido com o mesmo número pelo imperador. A barretina que traz durou de 1816 a 1823, sendo o laço com as cores lusas substituído por um círculo verde e amarelo. Canhões e gola verdes. No braço, o emblema citado. A cor verde caraterizou nossos caçadores durante toda a Monarquia. Aliás, é a cor geral dessa arma na Europa. Nos corpos de primeira linha, um galão amarelo nos canhões e golas, e penachos verdes com olhos amarelos. O exagero das cores nacionais nos uniformes exprimia o desejo de mostrar a todos que o domínio de além-mar fora definitivamente abolido. No mais, as fardas sofreram pequenas ou nenhumas alterações. Os vivos, por exemplo, continuaram os anteriores.

   O 1° Regimento de Cavalaria adotou gola verde e canhões azuis, o que durou até 1823. Então, tornou ao uniforme antigo, que ficou tradicional e só foi alterado quando o Exército se tornou positivista e se mataram as melhores lembranças de nosso passado militar. Na data acima, o Governo Imperial aprovou novo plano geral de fardamento para os caçadores. Debret no-lo transmite. Barretina afunilada, guarnecida por um cordão em espiral, lembrando o mirliton usado pelos alunos da Escola de Marte e pelos hussardos da Revolução Francesa. Ficou tradicional entre nós, tornando-se com o tempo peça absolutamente nossa, sendo mesmo a mais caraterística na evolução de nossa indumentária militar. A artilharia a pé usou-a mais tarde, a infantaria em 1866 e a Guarda Nacional várias vezes. A farda era curta e sem vivos, com alamares, dragonas e correame negros, o que veio até 1834. Pelas estampas do referido Debret, se verifica que os oficiais de caçadores não tinham dragonas. Fora uma ordem provisória de D. Pedro I que se tornou definitiva como tudo o que é provisório no nosso país... Até o fim da Monarquia, os oficiais dessa arma não tiveram dragonas e se distinguiam pelos galões do punho.
http://www.brasiliana.com.br/obras/historia-militar-do-brasil/pagina/26/texto segue pág.38


CAPÍTULO IV
   SÉCULO XIX. BRASIL IMPÉRIO: REGÊNCIA
Pág.49
   A Regência foi obrigada a dar nova feição ao Exército, porque já não mais existiam vários corpos como a Imperial Guarda de Honra, o Batalhão do Imperador, o 2° e 3° de Granadeiros, o 10°, 11°, 27° e 28° de Caçadores e outros não tinham efetivos suficientes. O decreto de 4 de maio de 1831 conservou somente o Estado-Maior General, os estados-maiores da primeira e segunda classes, os engenheiros, os oficiais burocráticos, 16 batalhões de caçadores com 572 homens cada um, divididos em oito companhias, cinco corpos de artilharia de posição, com 492 homens cada um, e um de artilharia a cavalo com 354. Os cinco primeiros batalhões de caçadores passaram a ser 1°, 2°, 3°, 4° e 5° da Corte; o 6° e 7° formaram o 6° de São Paulo; o 8° tornou-se o 7° de Santa Catarina, e o 9°, o 8° do Rio Grande do Sul; o 10° o 11° e o 12° desapareceram; o 13° e o 14° mudaram-se em 9° e 10° da Bahia; o 15° e o 16° fundiram-se no 11° de Alagoas; o 17° e o 18° desdobraram-se nos 12°, 13° e 14° de Pernambuco; foram abolidos os de 19° a 22°; o 23° ficou sendo o 15° do Maranhão e o 24°, o 16° do Pará; acabaram-se os de 25° a 28°. 

CAPÍTULO V
Pág.53
SÉCULO XIX. BRASIL IMPÉRIO: SEGUNDO REINADO ATÉ A GUERRA DO PARAGUAI
     Nos primeiros anos do governo de D. Pedro II, a maioria dos corpos do Exército estacionava no Rio Grande do Sul. Havendo necessidade política de aumentar as guarnições de São Paulo e Rio, novamente foi o Exército reorganizado pelo decreto de 25 de abril de 1842, ficando assim constituído: estados-maiores general, de primeira e segunda classes, e Imperial Corpo de Engenheiros, tudo com o efetivo global de 407 oficiais; oito batalhões de fuzileiros de oito companhias e 882 homens cada um; oito batalhões de caçadores de seis companhias, com 557 homens; quatro batalhões de artilharia a pé de oito companhias e 690 homens cada um; e três regimentos de cavalaria de oito companhias e 618 homens cada um. Organizaram-se os fuzileiros desta maneira: criou-se o 1° na Corte; transformou-se o 5° de Artilharia a Pé em 2° de Fuzileiros; os batalhões provisórios de Santa Catarina e Pernambuco formaram o 3° e o 4°; e os 9°, 10°, 11° e 12° de Caçadores converteram-se em 5°, 6°, 7° e 8° de Fuzileiros. Os oito primeiros batalhões de caçadores continuaram com sua antiga numeração.

CAPÍTULO VI
SÉCULO XIX. SEGUNDO REINADO: DA GUERRA DO PARAGUAI À REPÚBLICA
Pág.73
   Declarada a guerra contra o ditador do Paraguai, o Governo Imperial, imediatamente, aumentou o Exército, ao mesmo tempo que abolia os corpos fixos ou de guarnição, incorporando seus efetivos à tropa de linha. Foram chamados às armas os guardas nacionais e, ao apelo dos poderes públicos à Nação, responderam milhares e milhares de voluntários da pátria. A infantaria passou a contar 22 batalhões, numerados de 1° a 22°, sendo os sete primeiros de infantaria pesada, fuzileiros, e os restantes de infantaria ligeira, caçadores. Diferençavam-se nos traços gerais da indumentária e do armamento desta sorte: os fuzileiros usavam correames brancos, paramentos vermelhos, espingarda, baioneta triangular e terçado, tocando tambores e pífanos; os caçadores traziam correames pretos, paramentos verdes ou amarelos, carabina e refle (sabre-baioneta), tocando caixas de guerra e cornetas.
    Devido à campanha anterior, do Uruguai, quase toda a infantaria já se achava no Sul: os 1°, 2°, 3°, 4°, 5°, 6°, 7°, 10°, 11°, 12° e 13° batalhões.

 CAPÍTULO VII

   SÉCULOS XIX E XX. BRASIL REPÚBLICA

Pág.85
   Proclamada a República, os quadros do Exército foram logo alterados. Acrescentaram-se mais seis batalhões de infantaria aos 30 existentes: o 31° em Minas, o 32° em Vitória, o 33° em Aracajú, o 34° em Natal, o 35° no Piauí e o 36° em Manaus. Mais dois regimentos de cavalaria: o 11° em Uruguaiana e o 12° em São João da Barra do Quaraim. Mais um de artilharia a cavalo: o 5°, no Rio, e um de artilharia a pé: o 5°, na Bahia, com uma companhia destacada em Pernambuco. Transferiram-se para a Capital Federal o 22° de Infantaria e o 9° de Cavalaria. Em 1894, devido à Revolta da Armada, criaram-se mais unidades: quatro batalhões de infantaria, dois regimentos de cavalaria, um de artilharia de campanha e um batalhão de artilharia a pé. Essa organização durou até 1908.
   A República fez naturalmente profundas alterações nos uniformes, baixando o decreto de novembro de 1889. Vieram capacetes, alamares postiços e meias botas. Restauraram-se vivos, carcelas, listas e golas de cor a esmo. Entretanto, os uniformes do começo da República foram melhores que os do fim da Monarquia. Voltou o antigo aspecto 
dos generais e do Estado-Maior.

CAPÍTULO VIII
SÉCULOS XIX E XX. DA REGÊNCIA À REPÚBLICA. A GUARDA NACIONAL.
Pág.97
   A Guarda Nacional, criada pela Regência para substituir as antigas milícias e ordenanças, e abolida pela República, foi uma instituição militar que, à exceção de seus derradeiros anos de decadência, prestou relevantíssimos serviços ao país como reserva do Exército. Tomou parte em todas as guerras civis e externas do Império e nas primeiras lutas intestinas do período republicano. Quando rebentou a Guerra do Paraguai, o Governo Imperial mobilizou, pelo Decreto n° 3.383, 14.796 guardas nacionais, que seguiram para o campo de operações, policiaram os sertões ou substituíram os corpos de polícia e de guarnição nas capitais das províncias, assegurando a manutenção da ordem interna. Nessa ocasião, só o Rio Grande do Sul levantou 43.500 homens, dos quais 29.200 tomaram parte na luta, a maioria compondo os quadros dos célebres corpos provisórios de cavalaria da Guarda Nacional e da divisão de Andrade Neves. Para a mesma campanha, partiram, diretamente, guardas nacionais do Amazonas, da Bahia, do Ceará, de Minas, de Alagoas, da Paraíba, do Rio de Janeiro e de São Paulo.

CAPÍTULO IX
   HIERARQUIA
Pág.100
   Quadro hierárquico dos exércitos luso-brasileiro e brasileiro:
   [Ver tabela no orgiginal]
   Origem e tradição dos postos hierárquicos: 
   ANSPEÇADA — Do italiano lancia spezzata, lança quebrada. O posto data do século XVI. O soldado de cavalaria degradado para a infantaria por qualquer motivo tinha a sua lança quebrada, mas como era de categoria superior continuava a ter 
situação distinta do comum das praças da arma em que era obrigado a servir. Em Portugal e no Brasil, o anspeçada não fazia faxina, somente dava sentinela das armas e nunca sentinela encoberta, substituindo o cabo nos seus impedimentos. A República conservou a graduação por algum tempo e, depois, a aboliu definitivamente.

Pág.108 

CAPÍTULO X
   ARMAMENTO
   Brasil Reino:
   Infantaria pesada ou de linha, granadeiros e fuzileiros: espingardas de pederneira Tower e Brown Bess, calibre de 19mm, com baioneta triangular; chifarote ou terçado; alabarda ou pique para os sargentos; espadas retas para os oficiais.
   Infantaria ligeira, caçadores a pé: carabinas de pederneira Tower ou Brown Bess, calibre de 19mm, com baioneta triangular ou de lâmina, ou sem baioneta.
   Cavalaria: clavinas de pederneira Tower ou Brown Bess, calibre 17mm e 19mm; lanças de meia-lua abaixo da choupa; sabres curvos de copo singelo; pistolas de pederneira de calibre de 19mm.
   Artilharia: canhões de bronze de calibre entre 85mm e 140mm, com alma lisa, de carregar pela boca.
   Primeiro Reinado:
   Infantaria de linha, fuzileiros: o mesmo armamento, salvo o dos oficiais que usam sabres ligeiramente curvos, de copos abertos.

Segundo Reinado:

   Infantaria de linha, fuzileiros: espingardas de fulminante, Minié, de varias marcas, raiadas e não raiadas, de calibre de 16mm, 14,8mm e 14mm, com baioneta triangular; sabres curvos de copos abertos para os oficiais; pistolas de fulminante de calibre 14mm; revolvers Colt de 10,7 mm, e Lefaucheux de 10,8 mm.

Pág.117

CAPÍTULO I

   O BRASIL NAÇÃO
   A verdadeira história militar do Brasil começa com a Nação e a Nação surge no dia em que a coroa da Metrópole vem para o continente americano. Até então, éramos simples colônia. Depois, somos um Reino.
   O príncipe regente D. João vira-se premido (vira-se alvo de pressão), no vasto campo das lutas europeias que a grande agitação revolucionária de França tinha provocado, entre o poder terrestre de Napoleão e o poder marítimo da Inglaterra. Para um país pequeno, colonial, pobre e dependente do mar como Portugal, que não possuía fronteiras a entestar com o Império francês, a força da Grã-Bretanha era de muito maior importância. Entretanto, através da política espanhola, primeiro, e da própria Espanha, mais tarde, as garras da águia napoleônica se estendiam para o pequenino Reino lusitano. D. João bordejou, tergiversou, fugiu às situações definidas, esquivou-se como lhe foi possível até que um dia seu mesquinho jogo de Maquiavel medíocre teve de ceder ante os impositivos da força bruta: as testas das colunas de Junot entravam pelas fronteiras.
   Pobre D. João! Entregar-se à França, aderindo aos bloqueios, obedecendo às ordens do ditador da Europa em tudo e por tudo, com um eterno amém nos lábios, era tão perigoso quanto desafiar sua cólera. Além da definitiva abdicação da vontade, ficaria sujeito à ambição de qualquer parente ou marechal condecorado pelas vitórias que desejasse talhar mais um reino na imensa carcaça continental. Demais, os ingleses possuíam o domínio inconteste do mar. Suas esquadras, desde Abukir e Trafalgar, cruzavam triunfalmente no Mediterrâneo e nos oceanos. Apoderar-se-iam das colônias, impediriam a navegação e acabariam o comércio. Quando poderia recuperar o Reino infeliz seu império colonial e sua independência, embora esta fosse relativa?
   O partido dos ingleses oferecia mais duradouras vantagens. Podia-se perder a metrópole, talada pelas invasões, mas salvava-se tudo o que estava no ultramar e, nesse acervo, o Brasil, joia a mais esplendente da coroa real. Mais tarde, quando porventura o novo César caísse em novos idos de março, se restabeleceria a fortuna nas terras europeias. Acuado pela alternativa, o príncipe entregou seu destino, como os gregos diante dos persas, às muralhas de madeira da Inglaterra naval.
   O que fugiu de Portugal pelo estuário do Tejo, tremendo de pavor das baionetas francesas que pareciam coroar já as colinas da velha capital das navegações e das conquistas, não foi, como se pensa vulgarmente, tão só um rei medroso e uma Corte de parasitas apavorados; mas, com esse rei e essa Corte, todo o aparelhamento duma nação. Mudou-se nesse dia o conceito de nação da margem europeia para a margem americana. Tanto assim que o príncipe a organiza do outro lado com arsenais, bibliotecas, escolas, academias, bancos,

arquivos, fábricas, instituições, tropas e bandeira. Até um jardim botânico. Ele procura esquecer o que ficou na Europa e só cuidar do que lhe fica diretamente sob os olhos. O Brasil, de ora em diante, é o seu Reino, talvez o seu único Reino, embora no papel esteja unido a Portugal que o pé das infantarias de Junot e de Massena vão percorrer, patinhando em lama e sangue. Por isso, significativamente proclama guerra a Napoleão, em nome do "novo Império que vinha criar".
   Assim nasce a Nação brasileira. Tudo o mais, a própria Independência em setembro de 1822, é corolário. Em todos os aspectos da vida e das atividades nacionais, o fenômeno se verifica. Com o Brasil Reino, na milícia aparecem nossas primeiras forças regulares, nossos primeiros grandes chefes ombreando com os chefes europeus, generais nascidos no Brasil, guerreando e comandando com o mesmo uniforme abrochado de palmas de carvalho que os generais nascidos em Portugal. O Brasil deixou de ser uma colônia com toda a capitis diminutio colonial. É um Reino com todos os direitos regalengos. É uma nação igual à outra, da qual não é mais dependência e à qual está unida. Nela se acha agora o governo. E é, além disso, no bloco luso-brasileiro, no Janus criado pela fraqueza de D. João e pela sua astúcia diante dos poderes rivais da Inglaterra e de Napoleão, a face que olha o futuro, batida em cheio de sol tropical, enquanto a outra face olha o passado glorioso, já se embuçando nas brumas do inverno europeu...
   O Brasil que o príncipe regente vem encontrar é o Brasil já liberto de todos os assaltos estrangeiros e do constrangimento da linha marcada 
pelo tratado de Tordesilhas. As nossas bandeiras, na sua formidável expansão - filha do espírito inquieto da América, a tinham rompido em todos os sentidos: era brasileira a terra dos sertões e araxás que se estende para o oeste, brasileira a terra ao norte e do mar doce amazônico e brasileira a terra abaixo da ilha de Santa Catarina.

Ao setentrião, a Guiana é francesa. Ao meio-dia, o Vice-Reinado do Prata, já estremecendo ao frêmito dos anseios de liberdade e dos regionalismos separatistas, ainda é espanhol. D. João manda uma expedição sob o comanda do tenente-coronel Manuel Marques d'Elvas e do comandante inglês Yeo contra a colônia dos franceses. São soldados nordestinos, oficiais lusos e brasileiros, marujos ingleses, que combatem à margem do rio Torcy, tomam trincheiras, fortins e canhões. Depois, aproximam-se de Caiena. Entregue aos próprios recursos, graças ao bloqueio britânico, a guarnição francesa capitula. Estabelece-se o nosso domínio naquela parte do continente que olha para o Mar das Antilhas. A dominação do Brasil Reino dura até 1817 e cobre de benefícios aquela terra, como cobriu de benefícios o Uruguai, no dizer de seus próprios historiadores. Ao sul como ao norte, os mesmos efeitos devidos à paz, à ordem e ao respeito à autoridade.

   Herdeira de Fernando VII de Espanha, dona Carlota Joaquina, esposa de D. João, alimentava certas pretensões a um trono no Prata, onde já brilhavam as primeiras labaredas republicanas assopradas pelas ideias do século XVIII através do fogaréu revolucionário francês. O incêndio demagógico, ganhando as macegas dos pampas, acorda 
os instintos dos GAÚCHOS MALOS. As figuras dos caudilhos perfilam-se nos horizontes ensanguentados, com as compridas lanças em punho e os ponchos esvoaçando como a bandeira das ambições populares que eles condensam e não têm gênio para definitivamente plasmar. Fervem intrigas. Ainda no fundo de toda essa ebulição fermenta, dum lado, o velho sonho luso de pôr os pés no Prata — Reno do continente; do outro, o velho ideal castelhano de chegar até a ilha de Santa Catarina, restabelecendo o meridiano rompido pela audaciosa bota bandeirante. Os sonhos chocam-se no subconsciente dos povos. E, sobretudo, bate fofamente as asas de morcego o receio da propagação das novas ideias.


   Do mesmo modo que a expedição de Marques d'Elvas rumou para o norte, a expedição de D. Diogo de Souza moveu-se para o sul. Dela decorre, poucos anos mais tarde, a definitiva conquista do Uruguai, que tornou o Brasil Reino o maior Brasil que houve até hoje, dono da Guiana, no setentrião, e da Cisplatina no meio-dia, a cabeça no Mar das Antilhas, as plantas dos pés beijadas pelas águas barrentas do estuário platino, cujos filhos podiam ver de Caiena a Estrela Polar do outro hemisfério, como viam de todo o corpo da Pátria o altar de estrelas do Cruzeiro do Sul.

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CAPÍTULO II
 
  GUERRA CONTRA ARTIGAS (um dia, entre a ambição argentina e o imperialismo brasileiro, constituir a pátria uruguaia).

   (Campanha de 1811 e 1816-1820)
   A perda de suas tradições é um dos males que mais podem afligir uma nacionalidade. Sendo o homem a continuidade moral e física de seus país, a nação é a continuidade física e moral das gerações unidas pela experiência e pela sucessão dos fatos através dos séculos. Tiveram as doutrinas individualistas, materialistas ou positivistas, nascidas da filosofia racionalista do século XVIII, o condão de guerrear o passado, como se ele não fosse o que de verdadeiramente sólido possui a humanidade. A Revolução Francesa alterou até o nome das cartas de jogar. O positivismo mudou o calendário. O marxismo pregou a abolição da propriedade, da religião e da moral.
   Sofremos no Brasil o reflexo das teorias aí ligeiramente referidas e procuramos esquecer a nossa história. Sobretudo depois da Proclamação da República, nasceu a escola dos maldizentes da Pátria, às vezes até por mal compreendido patriotismo. Para eles, promanamos de três raças inferiores, tivemos como primeiros povoadores degredados, albergamos todos os vícios e cometemos as mais negras injustiças, fazendo guerras imperialistas aos nossos mansos, pacíficos, inocentes vizinhos do Prata. Coitadinhos!, o Brasil era um D. Quixote espaventoso e ridículo que, quando lhe dava o aluamento, arremetia com a lança gaúcha em riste contra aqueles míseros rebanhos indefesos... Ainda conhecemos hoje os derradeiros contadores dessas caraminholas.
   O resultado foi o abandono em geral do que é nosso, eminentemente nosso, somente nosso, em todas as manifestações da atividade e do pensamento. Esquecemos a tradição histórica e a tradição popular, passando a viver alheios ao nosso meio. Os nossos grandes poetas e os nossos grandes escritores preferiram cantar a Grécia, a Índia e a França. Bastava uma cousa ser brasileira, produto intelectual ou industrial, para não prestar. Todos lhe torciam a cara. E assim vivemos até que Euclides da Cunha nos chicoteou a face com Os sertões, obrigando-nos a mudar de rumo e a refazer, agora pelo espírito somente, o caminho das bandeiras, descobrindo o ouro da nossa história e do nosso folclore. E, nesse redescobrimento do Brasil, os temas de heroísmo, de grandeza, de alto sentimento patriótico geralmente só se vão buscar no Brasil monárquico, como se nele a Pátria se houvesse definitivamente estratificado em seus princípios e, depois dele, sucedesse um período que não sentimos mais nosso, que escapa ao nosso próprio sentimento brasileiro.
   Entre as inverdades proclamadas durante a estagnação da nossa memória histórica a que aludi, uma das maiores é a de que não temos tradições militares. Naturalmente, não somos um povo eminentemente guerreiro, mas somos um povo que se formou na constância das lutas e dos sacrifícios, de maneira que o fator militar foi um dos maiores na sua formação. A espada, primeiro, e a cruz, depois, marcam os alicerces da nossa vida. O bandeirante e o jesuíta moldaram um o nosso corpo, o outro a nossa alma. E quem puser de parte, na avaliação do que seja o Brasil, a nossa história militar e o nosso sentimento religioso, os dois valores positivos mais fortes e contínuos da nossa formação, não conhece a vida brasileira ou procede com evidente má-fé.
   O Império teve em conta esses valores tanto quanto lhe foi possível e por isso o seu perfil se altana nos nossos horizontes. A República procurou, mais do que esquece-los, matá-los e eis por que sua história é como que uma planície tristonha. Nossa geração é a que até agora mais tem pousado os olhos no passado, batalhando por ele, estudando-o, ressurgindo-o, tornando-o interessante e estimado. Modéstia à parte, é um título de orgulho legítimo. E não é saudosismo doentio, mas amor do que foi como conquista do espírito nacional e lição para o que há de vir.
   O Brasil se constitui defendendo o litoral de piratas e conquistadores: ingleses, franceses e flamengos; expandindo-se para Ocidente, para o norte e para o sul. Todos nós conhecemos essas epopeias assombrosas dos nossos antepassados. Como, no curso que temos de fazer, só nos devamos ocupar das guerras nas regiões do Prata, a expansão bandeirante para as divisas meridionais é a única que diretamente nos interessa, como sendo a raiz de todas as questões suscitadas para aquelas bandas.
   De acordo com o famoso Tratado de Tordesilhas, o Brasil não poderia passar, rumo do meio-dia, além de Laguna, em Santa Catarina. O meridiano riscado pelo papa a isso se opunha. Mas o bandeirante ali estava para recuar esse meridiano com a ponta de sua espada. Entre Laguna e Buenos Aires, a terra ficara devoluta, inçada de onças e de índios, aqui e ali percorrida por gados alçados e amontoados. Os espanhóis haviam fundado Buenos Aires, no estuário do Prata e Assunção, no curso superior do Paraguai. A Banda Oriental continuava, porém, deserta. Os índios minuanos e charruas obstavam ao seu povoamento. O Rio Grande também estava deserto. E somente os jesuítas se infiltravam pelas Missões. O resto eram chamados campos da Vacaria ou da Vacaria do Mar, onde galopava, livre, o lanceiro guarani e escouceavam as manadas selvagens à beira das sangas, cujas águas alumiavam sob o céu azul espanado pelo minuano.
   O colonizador português não se podia contentar em ficar na altura de Santa Catarina à espera que o espanhol se expandisse para o norte até ir ao seu encontro. Os imperativos do seu temperamento e das suas necessidades de defesa levaram-no a caminhar para o castelhano, inimigo tradicional e lindeiro desde a Península. Avançou para o Prata, que o seu instinto lhe indicava como única fronteira natural, segura, uma espécie de Reno americano; avançou para o Prata pelo lado do mar e pelo lado do sertão, como se sentisse a necessidade de englobar nesse amplexo todo o sul do futuro Brasil. Em 1680, fundava em frente de Buenos Aires, banhada por aquelas águas disputadas, a famosa Colônia do Sacramento, pomo de discórdia perene, padrão da audácia, da coragem e do grande sentimento da unidade brasileira que animou os nossos avós. Mais tarde, os  
paulistas levavam seu violento ataque às Missões do Uruguai e faziam tremular a bandeira crucigiada de verde nas ruas de Villarrica, no coração do Paraguai.
   De então por diante, choques e contrachoques se sucedem. Os portugueses não podem povoar a Bahia Oriental, mas
os paulistas Brito Peixoto e Brito Guerra fundam a vila da Laguna, base de seu avanço para o sul, e o Rio Grande começa a ser povoado. Em 1726, o governador espanhol Zavala funda Montevidéu com 36 pessoas trazidas de Buenos Aires. A praça da Colônia é tomada, retomada ou trocada pelo território das Missões, de acordo com a oscilação das guerras e tratados de paz, na Europa, entre as metrópoles rivais. Em 1750, demo-la aos espanhóis e recebemos as Missões. Em 1761, recebemo-la e restituímos as Missões. Em 1777, ficamos sem ambas. Em 1801, conquistamos a segunda e levamos a fronteira até além do Cerro Largo e de Santa Tecla, aparecendo na nossa história, então, nomes que seriam os de dinastias de centauros e de heróis: Marques de Souza, Tomás Osorio, Corrêa da Camara.
   Em resposta às nossas invasões, os espanhóis também nos invadem. A guerra chamada do Pacto de Família, na Europa, faz o governador Zeballos atravessar a raia e trazer seus soldados até a ilha de Santa Catarina, em 1763. Dez anos mais tarde, a invasão de Vertiz conquista o sul do Brasil e nele se mantém até 1776.
   Assim, quando D. João VI chegou ao Brasil, fugindo às garras da águia napoleônica, era já longa a tradição desse litígio de fronteiras. Para as plagas americanas, o príncipe regente transportava a Corte e o

espírito de organização do velho reino lusitano. Os olhos do novo governo voltaram-se para a milícia e verificaram a sua importância em face dos problemas a resolver. Criaram-se as Academias Militar e de Guardas-Marinhas, a Fábrica de Pólvora, os arsenais, o 1° Regimento de Cavalaria, ainda hoje com o mesmo número e a mesma guarnição, os corpos de caçadores do Norte e do Nordeste, núcleos daquela infantaria inconmovible que assombraria os platinos, e as companhias de artilheiros.

   F
ortalecido, o Governo Real pôde aproveitar-se da situação europeia, perturbada continuamente pela estratégia de Napoleão, mandando o soldado nordestino aliado ao marujo inglês conquistar a Guiana Francesa e estendendo as mãos para além dos lindes meridionais.
   Processava-se, então, a primeira fase da fragmentação hispano-americana em torno de nós. Os vice-reinados desagregavam-se e era asado, ALADO o momento para a consolidação e a retificação do perímetro heroicamente traçado a ponta de espada pelo bandeirante. Este cumprira sua missão histórica. A geração do século XIX não teve forças para completá-la, embora durante as primeiras décadas o pretendesse. A do século XX passou a ter outras preocupações.

   Então, surge a cavalo, hirto no seu uniforme azul filetado e paramentado de vermelho, dominando a ondulada vastidão das coxilhas, a figura heroica de D. José Gervasio Artigas. É o grande adversário que o Brasil Real vai encontrar pela frente, vai derrotar, vai atirar longe de sua pátria; porém cujo espírito ficará animando os seus patrícios e dando-lhe forças para um dia, entre 
a ambição argentina e o imperialismo brasileiro, constituir a pátria uruguaia. É o herói epônimo de seu povo, a figura de gesta e de lenda, nimbada dos exageros do patriotismo neurastênico das pequenas nações, que o verbo sonoro de Zorrilla de San Martin canta na Epopeya.

   Artigas nasceu em Montevidéu no dia 19 de junho de 1754, e recebeu, como era natural no meio e na época, deficiente educação. Foi criado no campo como um verdadeiro gaúcho, de poncho e chapeirão soqueixado, a faca enterçada de prata no cano da bota de potro. Boleando novilhotes, pegando os touros à unha; comendo o churrasco sangrento, sorvendo o mate amargo, domando os baguais. Vida rude entre pastores e índios na extensão verde dos pampas, ao açoite do minuano, sob o ouro do sol ou a luz trêmula das estrelas, ela lhe temperou a alma de uma energia inesgotável, o plasmou pelo espírito e pelo coração ao ambiente, o tornou o representante, a expressão, o expoente, o resultado daquele povo ainda informe, branco, negro e charrua. Por isso, os gaúchos broncos lhe pediam a bênção e, desbarretando-se, o chamavam "el padre Artigas".
  Em 1797, instituindo na Banda Oriental o famoso Regimento de Blandengues ou Lanceiros, que ainda hoje existe e usa seu antigo uniforme, nele se incorporou como tenente. Em 1810, era capitão. Combateu contra os ingleses. A revolução argentina de maio encontrou-o pronto a colaborar com ela. À frente de pequeno grupo de negros lanceiros, dois dos quais o acompanhariam ao desterro e um mesmo lhe sobreviveria, apresentou-se à Junta de Buenos Aires, que lhe  deu o posto de tenente-coronel e o reforçou com as tropas de Belgrano vindas do Paraguai. Por toda a campanha, a gauchada, amarrando as facas à ponta de varas para ter lanças, rebelou-se contra a Espanha. Os castelhanos eram batidos em Las Piedras. E Artigas investiu Montevidéu.

   Foi quando o governador Elio aceitou a colaboração de D. João VI, que declarara, já em 1808, estar resolvido a tomar o Vice-Reinado do Prata, presa da anarquia, sob sua real proteção, senão faria causa comum com a Inglaterra contra a Junta de Buenos Aires, a qual se não atemorizou. D Carlota Joaquina, mulher do príncipe regente e irmã de Fernando VII, rei de Espanha, tecia as malhas de suas intrigas políticas, julgando-se, como princesa espanhola, com o direito de vigiar o que se passava nas possessões de sua família. Entabulou relações com agentes do Prata no sentido de ser proclamada soberana do nosso país, plano que D. João VI via ao começo com alguma simpatia; mas, depois, repeliu in limine. Desta ou daquela forma, a Corte do Rio de Janeiro estava interessada no pleito que se feria no Prata e em relações constantes com os diversos elementos que ali se iam manifestando. Em seguida à rebelião de maio de 1810, a própria junta revolucionária portenha escrevera a D. João VI participando o que ocorria e assegurando sua fidelidade a Fernando VII. Eles se insurgiam contra o soberano ilegítimo e imposto pela força, não contra o legítimo. A ideia da independência foi um corolário natural.

   A resistência do governador Elio em Montevidéu permitiu ao príncipe regente propor-se 

  

 

como mediador e a sua mulher continuar seus planos. Em fevereiro de 1811, o ministro D. Rodrigo de Souza Coutinho aconselhou D. João a atender aos desejos da princesa e a socorrer Montevidéu sitiada pelos gaúchos de Artigas e os argentinos de Rondeau, embora mandando as tropas luso-brasileiras sob o comando de generais espanhóis. Aceito o alvitre, D. Diogo de Souza, conde do Rio Pardo, capitão-general do Rio Grande, recebeu ordens para penetrar no território espanhol e "pacificar" aquelas terras "sem conquistá-las". Era de novo a marcha vitoriosa de nossas bandeiras rumo do Prata que retomávamos em obediência a um como determinismo histórico.

   Reunido no Sul o Exército Pacificador da Banda Oriental, D. Diogo de Souza o divide em duas colunas comandadas por Manuel Marques de Souza e Joaquim Xavier Curado, e compostas quase exclusivamente de tropas brasileiras: legionários paulistas, milicianos gaúchos, dragões da fronteira, lanceiros guaranis. Concentrou-as em Bagé e marchou para Montevidéu a 17 de julho de 1811.(*) http://www.brasiliana.com.br/obras/images/comment.png Nota do Autor Iniciava um grande e belo passeio militar. Transpunha o Jaguarão sem empecilho, apesar da pretenciosa intimação do coronel Rondeau, ocupava Santa Tereza abandonada e entrava, sem resistência, em Maldonado, no mês de outubro. Durante a campanha, somente pequenos combates em que os contrários são sempre batidos 

A 30 de agosto, Bento Manuel Ribeiro, então simples furriel, com 55 homens toma Paissandu defendida por 200 uruguaios. A 19 de setembro, em Curuzu Cuatiá, 73 brasileiros repelem o ataque de 700 argentinos com artilharia e rompem caminho através do seu cerco.

   Mas, diante dessa marcha sem tropeços, à última hora, nas barbas do capitão-general e de seu exército pacificador, os espanhóis sitiados e os espanhóis sitiantes se reconciliavam, levantando os argentinos o cerco da praça contra a vontade de Artigas, que, seguido de alguns milhares de pessoas, resolveu exilar-se da pátria e, rompendo as planuras, vadeando os cursos d'agua, foi estabelecer-se na província de Entre Rios. Nesse êxodo pelas campanhas desertas, ele plasmou a alma das futuras resistências.

   D. Diogo de Souza marchou sobre Paissandu, que ocupou depois de bater algumas partidas de gaúchos, tendo antes, em janeiro de 1812, exigido que os governos de Buenos Aires e Montevidéu reconhecessem o desinteresse, a dignidade e a justiça do proceder do príncipe regente em prol da pacificação da Banda Oriental. Em junho, as tropas luso-brasileiras evacuavam completamente o território uruguaio em virtude de ajustes e convenções entre o Brasil e o Prata.

   A situação criada por essa rápida campanha entre Artigas e a junta portenha produziria em breve seus frutos naturais. A Argentina continuava a debater-se dentro do grave problema de sua emancipação política. O caudilho uruguaio, insubmisso, revel, sonhando a libertação total de sua pátria, tinha de chocar-se contra os desejos de unificação do Vice-Reinado. O Brasil coeso,

A situação criada por essa rápida campanha entre Artigas e a junta portenha produziria em breve seus frutos naturais. A Argentina continuava a debater-se dentro do grave problema de sua emancipação política. O caudilho uruguaio, insubmisso, revel, sonhando a libertação total de sua pátria, tinha de chocar-se contra os desejos de unificação do Vice-Reinado. O Brasil coeso, pacífico, em ordem, espectador desse panorama e nele interessado por vários motivos, seria obrigado a uma intervenção mais dia menos dia. E, como possuía organização militar melhor, soldados mais exercitados, oficiais mais práticos, chefes mais experientes, sua teria de ser, fatalmente, a vitória.

   Em 1815, o bárbaro coronel Otorgués, tenente de Artigas, de concerto com o governo platino de Alvear, entrava em Montevidéu. Egresso do exílio, o caudilho oriental desfraldava por toda a parte sua bandeira azul e branca cancelada de vermelho, a cuja sombra realizara o grande sonho de varrer do solo tanto o espanhol como o portenho. A libertação definitiva do Uruguai estava condicionada, porém, por três perigos: o castelhano, o argentino e o luso-brasileiro. Artigas vencera os dois primeiros; faltava-lhe o último, que só o império de circunstâncias muito posteriores venceriam 13 anos mais tarde.

   Este último entrou em cena, ao rufo compassado dos tambores das infantarias paulista, catarinense, nordestina e portuguesa, ao clangor dos clarins das cavalarias gaúchas, marcando o mapa corográfico da antiga Cisplatina com uma série de admiráveis triunfos militares. Ante o perigo iminente, Artigas não esmoreceu. A energia do seu patriotismo cresceu diante das dificuldades e fez frente com destemor ao mais perigoso de seus adversários, recusando mesmo o auxílio dos argentinos receosos da ambição do príncipe regente, porque eles queriam aproveitar a oportunidade a fim de forçá-lo ao reconhecimento da supremacia de Buenos Aires. O espírito da pátria uruguaia palpitava no seu coração! Sua resposta a Pueyrredón foi decisiva: não sacrificaria o rico patrimônio dos orientais "ao baixo preço da necessidade". Prudente, o governo bonaerense manteve-se na esfera dos protestos platônicos. E a invasão luso-brasileira fez ressoar o solo cisplatino às marteladas das batalhas.

  
 A Divisão de Voluntários Reais com um efetivo de mais de quatro mil homens das três armas, vinda de Portugal em março de 1816 e aquartelada em Niterói desde abril, seguiu em junho para Santa Catarina sob o comando do general Lecor, futuro visconde da Laguna, que se tornaria brasileiro com a Independência. Dali devia continuar a viagem por mar até Maldonado, onde desembarcaria para atacar Montevidéu, enquanto as tropas do Rio Grande, comandadas pelo seu capitão-general, se concentrariam na fronteira e operariam no interior da Banda Oriental. Eram os dois braços duma tenaz que devia aniquilar o caudilho e conquistar o país. No primeiro, estavam chefes e soldados veteranos da guerra peninsular, infantes azuis de Torres Vedras, caçadores de niza cor de pinhão do Bussaco, a legião de Albufeira. No segundo, figuravam os milicianos do Rio Pardo, a legião heroica de São Paulo, os denodados barrigas-verdes do célebre regimento da ilha de Santa Catarina, os cavalarianos gaúchos, todos habituados de longa data aos entreveros fronteiriços, conhecedores do terreno que pisavam e do habitante que iam ter como inimigo.

   Os dados do problema militar eram estes: do lado do Brasil, tropas bem organizadas e práticas da guerra, embora europeias, marchando pela costa; tropas menos organizadas, porém aguerridas, e sabendo viver e combater à moda do país, marchando pelo interior; todas impregnadas do espírito hostil que, desde a Península, separava os dois povos rivais e se perpetuava na América; com generais conhecedores da tática e da estratégia da época. Do lado do Uruguai, o espírito de independência e de patriotismo animando as forças irregulares, mas também formadas numa tradição de lutas, em território quase despovoado e propício à guerra de recursos.

   Não me parece que a crítica das operações efetuadas deva ser feita de acordo com os princípios clássicos da arte guerreira, com o ensinamento dos compêndios ou com as lições dos mestres de outros ambientes, sim levando em conta as condições sui generis do teatro da contenda e dos elementos militares nelas empregados. Vendo o desenrolar dos acontecimentos com olhos assim, certo se chegará à conclusão de que elas, as operações, embora refertas de defeitos e mesmo de erros, foram levadas por diante com segurança, produzindo os resultados que eram de esperar. A falta de unidade de comando das duas massas invasoras, ao invés de ser uma falta grave, obedeceu antes a uma necessidade local diante da ausência quase completa de meios de comunicação, de modo que a ação livre de seus chefes foi um bem e não um mal. E a posse preliminar de Montevidéu é considerada por um dos nossos historiadores militares como "uma ideia sensata".

   
Lecor tocou em Santa Catarina, porém não continuou por mar a rota para o sul. Desembarcou sua divisão e marchou paralelamente ao litoral para o Rio Grande, de onde, coberto pelos destacamentos de Sebastião Pinto e Bernardo da Silveira, avançou para o território uruguaio. O general Curado, com as forças brasileiras, concentrara-se na fronteira, e Chagas Santos grupara seus milicianos nas Missões. Artigas marchou em pessoa contra o primeiro. Seus tenentes, Rivera e Otorgués, avançavam contra Lecor. Estes deviam retardar a marcha do chefe português. Ele derrotaria os brasileiros e cairia sobre a retaguarda dos voluntários reais. Mas fracionou sua gente em quatro colunas: André Artigas sobre São Borja, Sotel em seu reforço, Verdun e o próprio Artigas na direção de Santa Maria. Era o plano ousado de invadir ao ser invadido!

   Curado lançou José de Abreu contra Sotel e Mena Barreto contra Verdun, de modo a impedir que o isolassem das Missões e o atacassem pela retaguarda. Abreu repeliu Sotel às margens do Ibicuí e o obrigou a avançar pela direita do Uruguai, sem poder transpô-lo, a fim de reunir-se a André Artigas, que sitiava Chagas Santos em São Borja. Em marchas forçadas, Abreu correu em socorro da povoação, derrotou-o e fez levantar o cerco.

   Mena Barreto, o primeiro visconde de S. Gabriel, apresentou batalha a Verdun, embora sua superioridade numérica e sem esperar o regresso de Abreu, envolvendo-o fragorosamente no combate de Ibiraocaí, a 19 de outubro de 1816.

   Então, Curado resolveu desferir um golpe na coluna de Artigas, mandando contra ela o brigadeiro Joaquim de Oliveira Alvares, que a atacou pela direita, quando procurava envolvê-lo, atirou esta sobre a esquerda e a desfez no combate de Carimbé [Carumbé], no dia 27, perseguindo-a tenazmente e fazendo com que o grande caudilho escapasse a casco de cavalo.

 

À sombra dos seus destacamentos de cobertura, o futuro conde de S. João das Duas Barras recolheu-se ao acampamento do Ibirapuitã Grande, a fim de dar repouso às tropas e reorganizá-las. Com 2.500 homens batia quatro mil orientais. Em dezembro, o marquês de Alegrete, capitão-general do Rio Grande, assumiu o comando daquela gente vitoriosa, que estava pronta para novos prélios.

   Em novembro, Lecor pisava a terra cisplatina pelas fronteiras de Santa Tereza e Cerro Largo. "Invasão rápida e pujante", diz Zorrilla de San Martin. Sua vanguarda, ao mando de Sebastião Pinto, com menos de mil homens, granadeiros, caçadores e artilheiros portugueses, uma centúria de gaúchos a cavalo e um obus, topa os 1.700 artiguenhos de Rivera entre o Puerto de La Paloma e o Passo de Coronilla, à margem do arroio India Muerta. Trava-se a luta corpo a corpo. Os cavaleiros de Marques de Souza e os infantes de Moura Lacerda varrem o inimigo.

   Em janeiro de 1817, D. Luiz Teles da Silva Caminha e Menezes, marquês de Alegrete, assessorado pelo tenente-general Curado, avança contra as forças de Artigas, no Arapeí, levando os legionários paulistas de Oliveira Alvares, as cavalarias rio-grandenses de Mena Barreto, os milicianos de Abreu e Corrêa da Camara. Abreu surpreende e destrói o acampamento do caudilho, na fria madrugada do dia três. Na tarde de 4, Curado rompe as formações de Andrés Latorre e desbarata-o. É a célebre batalha de Catalán. No crepúsculo cor de sangue, os guaranis missioneiros de Arouche, historiador da campanha, aprisionam os uruguaios que ainda teimavam em resistir.
A 19, a guarnição de Montevidéu abandonava a praça, retirando-se para Canelones. O cabido renegou Artigas e entregou as chaves da cidade ao general Lecor, que a ocupou no dia 20, entrando nela triunfalmente, debaixo de pálio, ao repique dos sinos que anunciavam o Te Deum. Arriava-se a bandeira artiguenha e arrancava-se das portas o escudo coroado de plumas, içando-se a bandeira do Reino Unido e pregando no fecho dos arcos a esfera armilar, símbolos duma dominação de 11 anos, que deu àquele povo, no insuspeito dizer de Zorrilla, inteligência, respeito às leis, consideração aos costumes locais e manutenção dos funcionários civis e militares nos seus postos. Além disso, ordem, tranquilidade, e riqueza.

   Durante todo o ano de 1817, as duas massas luso-brasileiras invasoras lançaram investidas e expedições para todos os lados, batendo os bandos e grupos de artiguistas. Os destacamentos de Lecor e as antenas de cavalaria de Curado, guiados por Elias de Oliveira, Gama Lobo, Chagas Santos ou Bento Manuel, incendiavam Concepción, talavam as Missões, batiam o capitão Tiraparé, os lanceiros de Pascual Moreira ou aprisionavam o próprio Verdun.

   Em 1818, a guerra de recursos continuava por parte de Artigas, cujo valor era inquebrantável, embora os dois braços da tenaz da invasão continuassem a constringir todas as forças irregulares levantadas pelo caudilho na Banda Oriental, em Entre Rios, nas Missões e em Corrientes, de onde lhe vinham auxílios. A esquadrilha de Sena Pereira ia, porém, subir o rio Uruguai, estabelecendo a ligação entre Lecor e Curado, e fechando o anel estrangulador de ferro e fogo. Em abril, 
Chagas Santos sitiava a vila de San Carlos, o tenente-coronel Ferreira Braga derrotava os blandengues de Aranda que pretendiam socorrê-la, e o tenente Luiz de Carvalho, perseguindo os fugitivos, matava a espada o chefe batido. No mesmo dia, Lavalleja era feito prisioneiro nas cabeceiras do arroio Valentim. Em Guabiju, Mena Barreto carregava e punha em fuga, tornando-lhe a bandeira, a vanguarda de Artigas comandada por Pablo Castro. O caudilho acossado refugiava-se no Queguay Chico. Em maio, Bento Manuel, com 560 gaúchos e paulistas efetuava um reide audacioso e triunfal, penetrando no território de Entre Rios, batendo os destacamentos de Gregorio Aguiar e Faustino Tejera, apoderando-se das baterias colocadas em Calera de Barquim e Perucho Berna, a fim de impedir a subida do rio Uruguai à esquadrilha de Sena Pereira, trazendo os canhões de bronze outrora tomados a Balcarce, dos quais dois, com o monograma de Carlos IV de Espanha, figuram ainda no nosso Museu, e pondo em fuga, a pequena distância do Arroio da China, 600 cavaleiros chefiados pessoalmente por Artigas, que fugiu e deixou no campo da luta seu próprio estandarte.


   Em 1819, quando o incansável André Artigas, braço direito do caudilho na sua guerra de recursos, se lançou mais uma vez contra os povos missioneiros, foi denodadamente atacado pelo tenente-coronel Arouche em São Nicolau. O autor da Memória da campanha de Artigas morreu como um bravo nesse combate, mas o brigadeiro Chagas Santos tomou a povoação, Abreu esmagou o invasor no combate de Itacurubi e o sargento do regimento de Santa Catarina, Joaquim Antonio de Santiago, o aprisionou no Passo de Santo Isidro. André Artigas era um guarani educado pelos jesuítas nascidos em São Borja, conhecido pelos nomes de Guacurarí, Taquari e Andresito, valente e supersticioso, que Artigas adotara e a quem fielmente serviu toda a vida. O tenente-general Curado enviou-o preso para o Rio de Janeiro e remeteu sua espada a D. João VI.

   À experimentada e sólida tropa portuguesa de Lecor coube a marcha pelo litoral e a ocupação de Montevidéu. Às forças na maioria brasileiras de Curado ficou entregue quase que exclusivamente a tarefa de esmagar um a um, um depois do outro, todos os núcleos de resistência dos artiguistas. Essa face da campanha é sobremodo interessante e dá grande relevo aos chefes e aos soldados nitidamente brasileiros. Se não houvera outros, de sobejo, seria motivo suficiente para considerar sempre a guerra de Artigas como a primeira da série de nossas guerras verdadeiramente nacionais no Prata.

   Obedecendo a sugestões de Lecor, o general Curado abandonara a fronteira e, em outubro de 1819, invernava no Rincão de Haedo, mantendo, porém, Bento Manuel, com os dragões de Lunarejo e os milicianos do Rio Pardo, em constante atividade pelas coxilhas. A 28, o ativo vanguardeiro chocava-se com Frutuoso Rivera à margem direita do Arroio Grande e o punha em fuga, após uma hora de entrevero. Infelizmente, Abreu que, com cerca de 400 homens guardava a raia, "aberta e desprotegida", atacado por Latorre, no dia 14, e traído pelo capitão Daniel Beresford, oficial inglês ao nosso serviço, comandante da única infantaria de que dispunha, que  
se passou para o inimigo, teve de retirar diante deste no Ibirapuitã Chico. Era o grande recurso de Artigas nos momentos mais desesperados, procurar trazer a guerra ao nosso território, como a tínhamos levado ao dele.


   O ano de 1829 marca o termo da terrível luta. Os capitães Diogo Felix e Bento Gonçalves desbaratam Gregorio Aguiar no Passo do Pereira. Em Taquarembó, o sol de Artigas mergulha definitivamente no ocaso. Apesar do esforço com que ainda levantara dois exércitos de gaúchos orientais, correntinos, entrerrianos e missioneiros, não lhe era mais possível resistir ao círculo de aço que o rodeava, tanto mais que, hostilizado por Buenos Aires, era obrigado contra ela a empregar um deles. O outro, sob as ordens de Latorre, marchava contra o Rio Grande, que pretendia invadir pela terceira vez.

   D. José de Castelo Branco Corrêa e Cunha Vasconcelos e Souza, conde da Figueira, capitão-general do Rio Grande, estava à testa dos veteranos do conde das Duas Barras e penetrava no território uruguaio. Na famosa Quebrada de Belarmino, envolve, aprisiona e mata a vanguarda oriental. "De cada dos hombres murió uno..." Ficam estendidos no campo os melhores oficiais artiguistas. O grosso de Latorre, na cinzenta e fria manhã de Taquarembó, recebe a carga da nossa cavalaria, cede terreno e foge para Curuzu Cuatiá, onde Artigas o recebe com lágrimas nos olhos.

   Então, o glorioso "Protetor dos Povos Livres" abandona para sempre a terra natal. A Velasco, comandante do forte Borbón, o sinistro ditador Francia escreveu mais tarde a seguinte carta:

"Artigas, reduzido à última extremidade, veio como fugitivo ao Passo de Itapuã e me mandou pedir que lhe permitisse passar o resto de seus dias em qualquer ponto da República, pois se via perseguido também pelos seus, e que, se lhe não fosse concedido esse refúgio, teria de ocultar-se nos matos. Era um ato, não só de humanidade como também honroso para a República, conceder asilo a um chefe infeliz que se entregava. Assim, mandei um oficial com 20 hussares para que o trouxesse..."

   Perseguido também pelos seus? Sim, Ramirez, o tenente que enviara contra Buenos Aires, rebelara-se e, reforçado por Mansilla, batera o caudilho em junho, na Bajada. Apesar disso, Francia temia-o e sepultou-o em vida na longínqua vila de Santo Isidro de Curuguati. Artigas nunca mais saiu do Paraguai, onde morreu na tarde de 23 de setembro de 1850.

  
 Estava ultimada, desta sorte, em 1820, após quatro anos de combates e correrias sangrentos pelos pampas, a conquista do Uruguai, transformado, depois, em Província Cisplatina. O Brasil debruçava-se à margem do Prata. Com a Independência, herdamos o território e o litígio que no-lo entregara. Ele prolongou-se e nós o encontraremos na raiz das campanhas subsequentes: guerra do Vidéu, guerra do Rosas, guerra do Flores, guerra do López.

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CAPÍTULO III
   GUERRA DA CISPLATINA
   (1825-1828)
   A) A CAMPANHA TERRESTRE

   Destruído o poder de Artigas e varrido o caudilho da Banda Oriental, o Uruguai ficou na posse efetiva do Brasil. Chefes nacionais como Rivera e Lavalleja aceitaram servir nas nossas fileiras e, em junho de 1821, um congresso de deputados escolhidos pelos alcaides e cabidos decidiu, por aclamação, incorporar o país ao Reino Unido sob o nome de Estado Cisplatino. Já desde abril D. João VI se pusera a caminho da Europa, deixando o príncipe D. Pedro na regência do Brasil. Em volta dele, desdobram-se os acontecimentos que o levaram a proclamar a nossa Independência em 1822, corolário por assim dizer jurídico da nossa anterior elevação a Reino.

   A guarnição militar de Montevidéu era composta, do mesmo modo que o exército conquistador do território, de tropas portuguesas e brasileiras, que fatalmente se deviam chocar em virtude da emancipação política do Brasil. O general Lecor declarou-se ao lado de D. Pedro I, abandonando a mãe pátria para servir à nova nacionalidade que adotou, e à frente dos brasileiros instalou seu quartel-general em Maldonado. O general D. Alvaro da Costa assumiu o comando dos 
corpos portugueses fiéis à coroa real e permaneceu na capital. Assim, o povo conquistado ia assistir ao duelo entre as facções em que se dividiam seus dominadores. E alguns orientais notáveis as acompanharam, como Oribe com os lusitanos e Rivera com os brasilienses.

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CAPÍTULO IV
   GUERRA CONTRA ROSAS
   (1851-1852)

   Em 1793, quando campeava em França o terror imposto pelas mediocridades revolucionárias, D. Juan Manuel Ortiz de Rosas nasceu na cidade de Buenos Aires, numa casa da rua Santa Lucia, hoje por ironia do destino crismada com o nome de Sarmiento, seu grande inimigo. Provinha de velho tronco castelhano, os Ortiz de Rosas, fidalgos e soldados da província de Burgos. E a sua vinda ao mundo foi saudada pelos pífanos e tambores dos pregoeiros oficiais que anunciavam aos povos platinos a declaração de guerra à República francesa por Sua Majestade o Rei de Espanha.

   Menino voluntarioso e dominador, frequentou uma escola particular e passou as férias no Rincón de López, fazenda cujas terras tocavam os limites da região conquistada às cabildas de índios meridionais. Até a adolescência, ali teve seu contato com a vida áspera e primitiva do pampa, domando baguais nos rodeios, boleando chamurros, caçando feras, apartando rebanhos, praticando todas as façanhas de agilidade e destreza, de força e coragem que atraem, tonificam e adestram a mocidade.
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CAPÍTULO VI
   GUERRA DO PARAGUAI
   (1865-1870)

   A) A TRÍPLICE ALIANÇA

   A Guerra do Paraguai é o ultimo ato da grande epopeia bandeirante que constituiu a pátria brasileira. O meridiano de Tordesilhas limitava a América Portuguesa por uma linha que tocava a embocadura do Amazonas e a ilha de Santa Catarina. O impulso conquistador das bandeiras heroicas recuou a barreira dos tratados e nos deu, além das terras da Amazônia e dos sertões que se estendem pelo Oeste até Mato Grosso, o território da Vacaria que se alastrava até o Prata. À margem desse rio, os colonizadores cravaram, como marco audacioso, a Colônia do Sacramento. Disputados por espanhóis, e portugueses, os limites meridionais oscilaram, até que, depois das campanhas de 1816 a 1820, de 1825 a 1828, de 1852 e de 1864 a 1870, se firmaram de modo definitivo.

   Invadindo os povos das Missões, reduzidos e organizados pelos jesuítas, os paulistas puseram seus pés vitoriosos dentro do Paraguai. Do núcleo de Laguna, expandiram-se pelos pampas desertos, cobrindo-os de estâncias. A posse de terras e gados por famílias brasileiras nos campos da Banda Oriental foi uma das causas dos  
choques e contrachoques que ali se travaram pelo tempo afora entre lusos e castelhanos, primeiro, entre brasileiros e platinos, depois.


   A criação, assim, duma grande América brasileira trouxe uma componente nova ao problema territorial e político da parte meridional do continente. Enquanto o Brasil se unificava sob a coroa real e sob a coroa imperial, o antigo Vice Reinado do Prata se dividia.
O Uruguai palpitava no desejo de ser uma nação e o Paraguai segregava-se dos povos argentinos no isolamento do seu pântano nativo. Tornada independente da metrópole, a Argentina debatia-se na caudilhagem, lançando províncias contra províncias, sem força para manter unida a si a Banda Oriental, que o Império tornou livre já que a não podia conservar sujeita; sem força para conquistar o Paraguai, que repelia as tropas de Belgrano e sob a égide imperial teve sua soberania reconhecida pelas nações da Europa.

   Os esforços políticos e diplomáticos de Sinimbú não conseguiram criar mais uma república nas terras rebeldes de Entre Rios e Corrientes; mas elas continuaram a gravitar em torno das influências locais, como a de Urquiza, impondo sua vontade à sombra das baionetas imperiais, à Confederação, no tempo da queda de Rosas, ou desertando dela, em face do perigo, como nos dias de Basualdo.

   Em 1864, mais uma vez éramos obrigados a uma intervenção além das fronteiras do Sul, não com o desejo de alargá-las, mas a fim de impedir que a anarquia dos vizinhos continuasse a prejudicar a vida dos nossos nacionais domiciliados e estabelecidos nas coxilhas orientais. Desde a tirania Pág.216