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São Paulo, Capital, Brazil

sábado, 5 de outubro de 2013

Censuras religiosas

Livres dos Fardos Religiosos

Para que as falcatruas, as mentiras e outras coisas do gênero não fossem descobertas pelo povo e para que os dogmas, as doutrinas, os rituais e outros elementos de uma religião não fossem desmoralizados, uma ferramenta muito usada foi a censura de obras literárias, científicas e artísticas.


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Descrição: Censura. Data: setembro/2013. Autor: Maralvestos. Licença CC BY-SA.
Hoje escrevemos e lemos um monte de coisas na Internet. No passado, não havia essa liberdade. Muitos países controlavam tudo que era difundido, impedindo críticas e novas idéias contra o poder estabelecido. E a Igreja, claro, entrou nessa onda.

Censura religiosa é a condenação de certos trabalhos literários, científicos ou artísticos.

No século III a.C., na China, o imperador Qin Shi Huangdi mandou queimar todos os livros sagrados confucionistas e matar quem tinha conhecimento desses livros. [1][2]

No início do século IV, o imperador romano Constantino, após promulgar o Edito de Milão, apoiou o cristianismo, mais precisamente o grupo conhecido como católicos, e a classe clerical ganhou mais poder. [3]. Os católicos já pregavam a doutrina da Santíssima Trindade, que dizia que há um único Deus manifestado em três pessoas distintas (o Pai, o Filho e o Espírito Santo). Segundo essa doutrina, Jesus, o Filho, e o Espírito Santo também são Deus sem serem outros deuses, mas outras pessoas consubstanciais (da mesma natureza e substância) ao Pai. [4]  É claro que nem todos concordaram com essa doutrina.  Nessa época, por exemplo, o presbítero Ário de Alexandria considerava Cristo como uma pessoa preexistente e divina abaixo de Deus e acima dos seres humanos, de natureza intermediária entre o Pai e a humanidade. Para ele, Cristo estava subordinado ao Pai. Não era, como ensinam os trinitários (seguidores da doutrina da Santíssima Trindade) o mesmo Deus manifesto em outra pessoa. [5][6] Na época, Alexandre I era o patriarca de Alexandria, e ele condenou Ário. [7] Depois foi novamente condenado no I Concílio de Nicéia, em 325, que também condenou o seu livro intitulado “Thalia”. [8][9] Constantino foi mais longe e ordenou que todos os escritos de Ário fossem queimados. Quem os ocultasse poderia ser condenado à morte. A partir dessa época, nos concílios e nos sínodos, tornou-se comum condenar qualquer outra doutrina, censurando qualquer escrito que ensinasse alguma doutrina diferente das doutrinas católicas. Assim, muitos livros e escritos foram queimados. [10]

No século V, o papa Gelásio I (492-496) elaborou uma lista de livros conhecida como Decreto Gelasiano, onde foi feita uma relação de livros permitidos e outra de livros rejeitados, além do rol de livros tidos como sagrados, incluídos na Bíblia. [11][12][13][14][15] Entre os livros permitidos, além dos livros da Bíblia, temos as obras do bispo Cipriano de Cartago, do bispo Gregório Nanzianzeno, do bispo Teófilo de Alexandria; do bispo Cirilo de Alexandria; do bispo Ambrósio de Milão; do bispo Agostinho de Hipona; do sacerdote Jerônimo, etc. Esses têm sido muito citados. Embora não estejam na Bíblia, eles são considerados como obras confiáveis dos pais da Igreja, onde se encontram a defesa de muitas doutrinas comuns em muitas igrejas, principalmente a Igreja Católica e Ortodoxa. Esses são os que integram o período chamado de Patrística[16][17][18][19][20] Entre os livros rejeitados, podemos citar: Atos de André, Atos de Tomé, Atos de Pedro, Atos de Filipe, Evangelho de Matias, Evangelho de Barnabé, Evangelho de Tiago Menor, Evangelho de Pedro, Evangelho de Tomé, Evangelho de Bartolomeu, Evangelho de André, dentre muitos outros e também as obras dos que foram considerados hereges como: Simão Mago, Nicolau, Cerinto, Marcião, Basílides, Ebion, Paulo de Samósata, Fotino, Montano, Apolinário, Valentino, Maniqueu, Fausto Africano, Sabélio, Ário, Macedônio, Eunômio, Novato, Sabácio, Calisto, Donato, Eustácio, Joviano, Pelágio, Juliano de Eclanum, Celéstio, Maximiano, Prisciliano da Espanha, Nestório de Constantinopla, Máximo Cínico, Lampécio, Dióscoro, Êutiques, etc. [21]

O ato de relacionar os livros que a Igreja aprovava e os que ela desaprovava não foi nenhum problema em si. O problema foi a censura por meio de atos constrangedores como a queima de livros e escritos além de penas rigorosas para os seus autores. Nestório, teólogo grego e patriarca de Constantinopla, por exemplo, teve as suas obras queimadas por ordem do imperador romano do Oriente Teodósio II. Os seus ensinos não estavam de acordo com os ensinos apoiados pelo império. Para ele, Maria era simplesmente a mãe da natureza humana de Jesus. Não era a mãe de Deus como alguns estavam dizendo. Ele acreditava que as naturezas humana e divina de Cristo eram separadas. [22][23] A igreja e o imperador poderiam muito bem discordar de Nestório, mas não precisava agir com insolência.

Outro exemplo nojento: no início do século XV (1414-1418) aconteceu o Concílio de Constança, realizado na cidade alemã de mesmo nome. Entre as diversas decisões tomadas, a Igreja Católica declarou o reformador religioso John Wycliffe como herege e ordenou que fossem queimados os seus escritos. Além disso, ele, que já estava morto desde 1384, teve os restos mortais do seu corpo desenterrados e queimados e suas cinzas lançadas num rio. [24][25][26] Será que a Igreja não podia apenas discordar de John, sem ter que agir com todo esse autoritarismo?

Até o século XV, a literatura era manuscrita ou preparada através de certos recursos rústicos. Mas nesse século, Johann Gutenberg inventou a imprensa e, a partir de então, as obras literárias passaram a ser difundidas com mais eficiência e rapidez. [27]. No século seguinte, aconteceu a Reforma protestante. E os reformadores puderam divulgar suas idéias através de suas obras impressas. Lutero, por exemplo, teve as suas 95 teses rapidamente difundidas em toda a Europa.[28][29]. E a Igreja Católica, a partir da invenção da imprensa e, com a divulgação de novas doutrinas, resolveu reagir.

·       Em 1482, o bispo de Wurtzburgo promulgou uma lei de censura para sua diocese. [30]
·       Em 1485 e 1486, o arcebispo de Mainz fez o mesmo para a sua província eclesiástica. [31]
·       Em 1515, durante o V Concílio de Latrão , o papa leão X promulgou a bula Sollicitudines Inter proibindo, sob pena de excomunhão, a impressão de livros, sem a autorização da Igreja. Todos os textos, sem exceção, foram submetidos à censura. Antes de ser impresso qualquer livro, a Igreja tinha que examiná-lo. Caso fosse aprovado, era concedida a autorização para que ele pudesse ser impresso. Essa autorização, chamada de imprimátur, palavra latina que quer dizer “imprima-se”, só podia ser fornecida pelas autoridades da Igreja. [32][33][34][35]
·       Em 15 de junho de 1520, o mesmo papa Leão X emitiu a bula Exsurge Domine proibindo todos os escritos de Lutero sob pena de excomunhão. [36][37][38]
·       Em 1524, o papa Clemente VII, usando a bula In Coena Domini que já estava em vigor desde o século XIV, prevendo excomunhões para diversos casos, incluiu também uma cláusula condenando todos os escritos considerados heréticos, incluindo os de Lutero. [39][40][41]
·       Em 1542, o papa Paulo III organizou a Inquisição Geral que ficou responsável por supervisionar os livros principalmente em Roma e na Itália. [42]
·       Em 1543, este tribunal escreveu um catálogo de livros proibidos, juntamente com um decreto bastante rigoroso. [43]
·       A partir desse século XVI, catálogos com livros censurados foram publicados pelas autoridades políticas e eclesiásticas, particularmente na Inglaterra, Holanda , França , Alemanha e Itália.
·       Em 1559, o papa Paulo IV publicou o catálogo da Inquisição, que foi a primeira lista oficial da Igreja feita para o mundo inteiro e ficou conhecida como Índice de Livros Proibidos ou, no latim, Index Librorum Prohibitorum[44]
·       Em 1546, no Concílio de Trento, depois de debatida a reorganização da censura e proibição de livros, surgiu oTridentinus Index, que foi aprovado e publicado pelo papa Pio IV, em 1564. Esse foi editado várias vezes, ao longo dos séculos seguintes, recebendo novas adições. [45][46]
·       Em 1558 na Espanha, foi implantada a pena de morte para quem importasse livros estrangeiros sem permissão ou para quem imprimisse sem a autorização oficial. [47][48]
·       Em 1900, o papa Leão XIII publicou um novo índice com novas regras. [49].
·       Em 1966, depois de 407 anos de censura, o Index foi abolido pelo Papa Paulo VI(Quanto tempo, hein!?) [50] Paulo IV atrapalhou. Paulo VI consertou.

Livros de apóstatas, hereges e cismáticos; que defendiam o duelo, o suicídio, divórcio; sobre sociedades secretas como a Maçonaria; sobre feitiçaria, adivinhação, magia, espiritismo e similares; sobre coisas obscenas e imorais; que insultavam a Deus, a Virgem Maria, os santos, a Igreja Católica, os seus ritos, os sacramentos ou a Sé Apostólica; que visavam a difamação da hierarquia eclesiástica, o clero; todas as edições e versões da Sagrada Escritura não aprovadas pela competente autoridade eclesiástica; todos os livros litúrgicos como: missais, breviários e similares, alterados sem a aprovação da Sé Apostólica; livros devocionais de oração ou panfletos; catecismos e livros de instrução religiosa; livros e panfletos de ética, ascetismo e misticismo ou outros da mesma classe; livros e escritos que continham novas aparições, revelações, visões, profecias, milagres, ou aqueles que tentavam introduzir novas devoções públicas ou privadas, no caso de aparecer sem aprovação eclesiástica legítima. Todos os livros e escritos com qualquer uma dessas características eram censurados. [51][52]

Livros e escritos de vários cientistas, filósofos, enciclopedistas, pensadores, romancistas e teólogos foram inseridos no Index como, por exemplo: Galileu Galilei, Nicolau Copérnico, Giordano Bruno, Nicolau Maquiavel, Erasmo de Roterdão, Baruch de Espinosa, John Locke, Blaise Pascal, Thomas Hobbes, René Descartes, Rousseau, Montesquieu, Auguste Comte, David Hume ou Immanuel Kant, Alexandre Dumas, Voltaire, Victor Hugo, Emile Zola, La Fontaine, João Calvino, Martinho Lutero, etc. Esses são alguns nomes mais conhecidos que foram parar na lista. [53][54][55][56][57]

Da mesma forma, igrejas protestantes proibiram certos livros diferentes. João Calvino, além de mandar queimar na fogueira o médico e teólogo espanhol Miguel Serveto, também reduziu a cinzas os seus livros. [58]

No Novo Testamento não há bases para a censura. Nem Jesus e nem os apóstolos fizeram isso. Paulo disse para examinar tudo, ficar com o que é bom e deixar de lado o que for ruim. (1 Tessalonicenses 5.21-22.) [59] Por isso, podemos dizer que não devemos proibir nada. Cada um preciso ser livre a ponto de poder, conscientemente, decidir o que seguir e o que não seguir. Paulo disse ainda: “Se, pois, estais mortos com Cristo quanto aos rudimentos do mundo, por que vos carregam ainda de ordenanças, como se vivêsseis no mundo,tais como: não toques, não proves, não manuseies? As quais coisas todas perecem pelo uso, segundo os preceitos e doutrinas dos homens; as quais têm, na verdade, alguma aparência de sabedoria, em devoção voluntária, humildade e em disciplina do corpo, mas não são de valor algum, senão para a satisfação da carne.” (Colossenses 2.20-23, RC.) [60] Então, precisamos aprender a fugir do que não presta de forma livre. Atos 19.19 diz: “Também muitos dos que seguiam artes mágicas trouxeram os seus livros e os queimaram na presença de todos, e, feita a conta do seu preço, acharam que montava a cinqüenta mil peças de prata.” (RC.) [61] Esse texto não serve de base para nenhuma censura, porque aqui, muitos dos que seguiam artes mágicas decidiram, espontaneamente, sem nenhum constrangimento, queimar seus livros.


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Descrição: Liberdade de imprensa. Data: setembro/2013. Autor: Maralvestos. Licença CC BY-SA.
Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, no artigo XVIII, toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião. O mesmo artigo diz que esse direito inclui a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino. [62][63] Isso quer dizer que não podemos perseguir, com nenhum tipo de censura, aqueles que divulgam elementos religiosos diferentes dos nossos. Temos o direito de criticar e reprovar certas obras religiosas, mas não podemos proibi-las. Proibir não adianta. Tudo que é proibido desperta curiosidade e acaba atraindo mais as pessoas. E foi exatamente o que aconteceu com os livros do Index. O que precisamos fazer é apenas conscientizar as pessoas sobre o que é bom e o que é ruim. Cada um deverá, conscientemente, decidir o que vai aceitar. A censura estimula ainda mais o desejo de conhecer o que foi proibido e impede o progresso do conhecimento, deixando a humanidade escravizada.

Que todos nós possamos ser livres para publicar nossas idéias ou ler o que foi publicado. Que cada um possa ser maduro capaz de separar o joio do trigo para não ter que ficar preso num celeiro, o tempo todo.

Como disse Medeiros de Albuquerque: “Liberdade! Liberdade! Abre as asas sobre nós.” [64][65][66] Sim, porque os livros abertos são como aves a voar... E ninguém mais deve ser escravo de nenhum império religioso.

Autor: Maralvestos Tovesmar. Este texto (não o site inteiro) está disponível nos termos da licença CC BY-NC-ND. Pode ser copiado e distribuído, informando o autor e o link seguinte, mas não pode ser modificado e nem comercializado. Data: 2013. Veja outras mensagens emhttp://livresdosfardosreligiosos.blogspot.com.br


[46] Ibidem